Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Documentário retrata o trabalho febril na pequena Toritama, a 'capital do jeans'

Uma das fábricas de médio porte da cidade de Toritama, no agreste pernambucano, retratada no documentário 'Estou me guardando para quando o Carnaval chegar' Foto: Carnaval Filmes / DivulgaçãoUma das fábricas de médio porte da cidade de Toritama, no agreste pernambucano, retratada no documentário 'Estou me guardando para quando o Carnaval chegar' Foto: Carnaval Filmes / Divulgação

SÃO PAULO - Nesta quinta-feira, a população da pequena Toritama , conhecida como a "capital do jeans", estará refletida na tela do cine Aurélio. A sala, construída ao longo de sete anos por um ex-projecionista de cinema que se tornou pedreiro, vai hospedar a primeira exibição pública de "Estou me guardando para quando o Carnaval chegar" para parte dos 40 mil habitantes da cidadezinha encravada no agreste pernambucano. O documentário de Marcelo Gomes , que estreou em fevereiro no Festival de Berlim e chega agora ao circuito comercial brasileiro, os transforma em personagens de um estudo pungente sobre o trabalho autônomo nos dias atuais:

— O seu Aurélio não está no filme, mas fizemos um curta contando a história dele que vai ser exibido antes da projeção. Quando os cinemas da cidade fecharam, ele montou uma videolocadora, mas logo depois elas também acabaram. Como é apaixonado por cinema, decidiu fazer alguma coisa, e montou essa salinha. Em um lugar como aquele, é legal ter uma resistência cultural — diz Gomes, em entrevista ao GLOBO, em São Paulo.

 

O cineasta tem laços com Toritama que remontam à sua infância. Quando era criança, ele ia acompanhado do pai para a cidadezinha que fica a 172 quilômetros de Recife:

— Meu pai nasceu há doze quilômetros dali, em Caruaru; minha mãe nasceu a vinte quilômetros dali, em uma cidade chamada São Caetano. Anos depois, passei por lá e soube das fábricas de jeans. Disseram que, pouco antes do Carnaval, as pessoas vendem suas coisas para complementar a renda e poder se divertir. Pensei: "Será que é uma transgressão ao capitalismo, será que é um desespero diante da vida?". Passamos um ano e meio lá, tentando entender aquele lugar e sendo porosos a ele — diz ele.

"Estou me guardando para quando o Carnaval chegar" faz uma radiografia de Toritama e de sua população, que vive quase toda em função da industria têxtil local. São funcionários de grandes fábricas, negócios médios e as chamadas "facções", que funcionam em fundos de quintal e são responsáveis por complementar a produção local.

— As pessoas saem das fábricas, compram uma máquina e passam a trabalhar em casa, com a ilusão de que são livres. E a liberdade delas é trabalhar 14 horas por dia para competir com o vizinho. Eu estava preocupado não com o que mudou na geografia da cidade, não com o rio que está poluído, não com as questões de saúde que pioraram. Eu estava preocupado com o que mudou no humano, na memória daquelas pessoas, na forma de viver, na forma de sonhar — diz Gomes.

O diretor Marcelo Gomes, que faz sua estreia solo no documentário, com 'Estou me guardando para quando o Carnaval chegar' Foto: Letícia Simões / Divulgação
O diretor Marcelo Gomes, que faz sua estreia solo no documentário, com 'Estou me guardando para quando o Carnaval chegar' Foto: Letícia Simões / Divulgação

 

Por isso, o Carnaval tem um papel determinante no documentário. É o momento em que a cidade para, a produção das fábricas faz uma pausa e a população viaja para brincar a festa:

— Essa transgressão do Carnaval é o resto do humano que ficou da cidade. Porque quando se está trabalhando, oito horas passam devagar. Mas quando se está numa festa, parece que passa muito rápido. Então, as pessoas começam a refletir sobre o tempo: "Eu vivo para trabalhar ou eu trabalho para viver?" — diz ele.

O filme foi construído ao longo de um ano e meio na cidade do interior pernambucano. Isso explica o fato de o longa, o primeiro projeto de Marcelo Gomes no gênero, ser tributário de tantos filmes e subgêneros documentais. Estão lá o documentário observacional de Adrian Cooper no curta "Chapeleiros" (1983); o cinema de entrevistas de Eduardo Coutinho; o clima  familiar e intimista dos filmes de David Perlov.

— Essas influências são determinantes, mas queria que aquilo que estava na minha frente me influenciasse. A primeira pessoa que eu fui entrevista me disse: "Dou entrevista, mas não vou parar de trabalhar, não". A partir daí, só filmei os personagens trabalhando. Eu queria fazer um documentário impuro e poroso. Porque a vida não é pura, e eu não quero fazer um cinema puro. Que o meu cinema seja contaminado pelo lugar onde ele está, e pelos personagens que decidimos retratar. — explica Gomes.

https://oglobo.globo.com/cultura/filmes/documentario-retrata-trabal...

Para participar de nossa Rede Têxtil e do Vestuário - CLIQUE AQUI

Exibições: 929

Responder esta

Respostas a este tópico

  — As pessoas saem das fábricas, compram uma máquina e passam a trabalhar em casa, com a ilusão de que são livres. E a liberdade delas é trabalhar 14 horas por dia para competir com o vizinho.

Responder à discussão

RSS

© 2024   Criado por Textile Industry.   Ativado por

Badges  |  Relatar um incidente  |  Termos de serviço