Em um momento onde cada vez mais apreciamos a companhia das plantas em nossas casas, onde estas nos trazem uma certa paz e conexão com a natureza, é difícil pensar que exista uma planta que provoque o contrário: medo, tristeza, choro e já foi até motivo de assassinato. Pois sim, ela existe, chama-se Japanese Knotweed (Reynoutria japonica) ou melhor falando, Sanguinária-do-Japão, tema do meu projeto final de mestrado em Desenvolvimento Têxtil pela Royal College of Art, 2020.
Originária das regiões vulcânicas do Japão e China, essa planta chegou à Europa pelas mãos de um botânico holandês no século XIX e logo chamou a atenção de todos por sua beleza, ganhando uma medalha de ouro da Sociedade de Agricultura e Horticultura de Utrecht, por ser considerada a planta ornamental mais bonita em 1847. Dessa forma, a planta se propagou rapidamente pela Europa, principalmente na Inglaterra onde, assustados pela rapidez com que a planta crescia e se espalhava pelo território britânico, de ornamental passou a ser um grande problema para o país tornando-se a planta mais temida e odiada da Inglaterra.
Nas Olimpíadas de 2012, para construir o estádio Olympic park, o governo britânico gastou £70 bilhões somente com a remoção e descarte desta “praga”. Considerada uma planta invasora, é ilegal plantá-la no território inglês ou até mesmo mantê-la em seu jardim correndo o risco de receber uma multa atíssima ou dependendo do caso, risco de prisão. Atualmente, o governo gasta aproximadamente £160 milhões por ano para sua remoção e descarte, que deve ser feito por empresas especializadas. Seu lixo, enviado para aterros sanitários autorizados a receber essa planta perigosa. Por não existir nenhum predador em território inglês, suas raízes podem chegar até 7 metros de profundidade criando um sistema radicular complexo que dificulta sua remoção. Além disso, sua capacidade de multiplicação através de pequenos fragmentos da raiz (1 cm) torna esse processo de remoção ainda mais custoso e complexo. Ela perfura paredes, asfaltos e por isso têm causado um grande prejuízo econômico para aqueles que a encontram nos jardins de suas casas. Felizmente ou não, é uma planta destinada à morrer, envenenada e enterrada cautelosamente em aterros sanitários.
Como toda história possui dois lados, fui investigar como Japanese Knotweed era percebida nos seus países de origem e como poderia dar um melhor destino à seus “restos mortais”. Considerada uma planta medicinal no Japão e China, tem sido utilizada há milhares de anos na medicina tradicional japonesa e chinesa devido às suas propriedades anti-inflamatórias e antibacterianas. Além de prevenir doenças como de Alzheimer, câncer e do coração; é comestível.
Após conversar com alguns locais especialistas em vegetação selvagem e erva-daninha, decidi investigar como uma planta que causa um impacto econômico e ambiental tão negativo poderia ser utilizada como matéria-prima para desenvolvimentos de biomateriais. Através de uma investigação multi-sensorial; aromas, cores e texturas foram explorados separadamente com cada parte da planta (rizoma, caule, folha e pedúnculo) e diferentes técnicas foram utilizadas. A extração de pigmentos, aromas e fibras deram forma à tecidos, biocompósitos, bioplásticos, papéis, incensos e uma linda cartela de cores. Como todo processo gera “resíduos”, ao enxergá-los como ingredientes e reincorporá-los novamente em outros processos de produção, me deparei com uma imensa quantidade de ingredientes e oportunidades de desenvolvimento. Através de uma única planta, foi possível extrair 34 cores e materiais com mais de 15 propriedades diferentes que podem ser implementados por diferentes indústrias entre elas; têxtil, moda, produto, cosmética, construção, alimentícia, papel entre outras.
Experimentos e resultados com a Japanese Knotweed
Quase impossível de erradicá-la, Japanese Knotweed é uma fonte preciosa e abundante de matéria-prima local na qual, através de um sistema de produção circular e sem lixo, pode servir como matéria-prima para inúmeras indústrias promovendo economias mais circulares e cidades mais independentes. Ao valorizarmos aquilo que temos em abundância e enxergarmos oportunidades em materiais que consideramos lixo, novas formas de produzir que sejam mais coerentes com o momento atual que vivemos podem emergir.
Para isso, reverter a ideia tradicional daquilo que é considerado lixo, resgatá-lo de sua irrelevância e transformá-lo em oportunidades, envolve um estudo detalhado da própria matéria e de suas potencialidades. Ao encontrar algum tipo de ordem nos resíduos e unir diferentes conhecimentos e técnicas, é possível edificá-lo transformando-o em algo irreconhecível e totalmente distante de sua origem. Ao mudar sua estética, este pode não só se tornar um bem de consumo desejável e gerar inovações nos modelos de negócio mas também, contribuir para grandes transformações sociais, gerando consciência e despertando novos hábitos.
O hábito de jogar fora é uma ação automática que repetimos inúmeras vezes por dia de forma inconsciente e consequentemente, os hábitos moldam nossa existência e nosso futuro. As pessoas tendem a classificar algo como lixo quando seu relacionamento com este se torna indesejável e chega-se ao fim. Uma vez satisfeito o desejo, a coisa perde seu valor e seus resquícios acabam despertando o sentimento e a ação automática de que é preciso descartá-la rapidamente. De desejável, a coisa passa a ser algo a eliminar.
No fundo, aquilo que é considerado ordinário e sem função, convida-nos a refletir sobre o nosso atual modelo de progresso e desenvolvimento humano, olhando para além dos conceitos-padrões estipulados que predominam nestes tempos de crise econômica e ambiental global. Aquilo que é considerado corriqueiro e que temos em abundância é também democrático, acessível e muitas vezes de graça. Ter a curiosidade de transformá-lo e ressignificá-lo pode nos levar a um interessante patamar de liberdade criativa, geração de identidade própria e conhecimento. Ter descoberto esse potencial pesquisando uma planta tão mal interpretada quanto Japanese Knotweed, me mostrou um mundo de oportunidades e mudou minha percepção em como vejo a matéria descartada. Nominar algo como descartável e inutilizável é meramente um ponto de vista e está nos olhos de quem vê.
*Marina Belintani é uma designer especializada em biomateriais. Mestre em Desenvolvimento pela Royal College of Art e bacharel em Design pela Universidade Estadual de Londrina, seu objetivo é colaborar com o desenvolvimento de sistemas de produção mais circulares no campo de materiais para uma variedade de indústrias.
Maiores informações sobre o projeto:
www.mabeproject.com
Instagram: mabe_project
por Marina Belintani*
https://www.fashionrevolution.org/brazil-blog/como-a-planta-mais-te...
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Uauuuuu!
Só faltou colocar a foto da dita cuja, aí na matéria, para sabermos de quem estamos falando!
Me parece que os ingleses não foram inteligentes, com tanto conhecimento e ciência!
https://www.instagram.com/mabe_project/
Everton Viana C. Neves disse:
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