Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

A Incrível Saga do Samurai da Inovação - Bento Koike

 


EMPREENDEDORES

A incrível saga do samurai da inovação

Conheça Bento Koike, o discretíssimo nissei que assinou com a General Electric um contrato de US$ 1 bilhão para a produção de energia limpa. sua empresa, a Tecsis, é uma glória da tecnologia sustentável, mas as pessoas no brasil nem sabem que ele existe

por Alexandre Teixeira
Ilustrações Furia

Koike,fundador da Tecsis: a gravidade do quadro ambiental levou-o a romper o silêncio e ingressar na cruzada pela sustentabilidade

A monotonia das avenidas da Zona Industrial de Sorocaba, no interior de São Paulo, é quebrada de tempos em tempos pela passagem de gigantescas carretas transportando o que parecem ser asas de avião. Com até 50 metros de comprimento cada uma - o equivalente a um prédio de 17 andares -, essas peças são, na verdade, pás de turbinas de vento usadas na geração de energia eólica. De um entroncamento na Avenida Jerome Case, numa das bordas do distrito fabril, elas partem para uma viagem que as leva até o Porto de Santos e, de lá, para os principais mercados da Europa e dos Estados Unidos, onde são integradas aos imponentes e cada vez mais comuns parques de geração de energia eólica. É uma logística nada discreta, que forçou a prefeitura de Sorocaba a alargar as ruas no trecho urbano do trajeto, mas que permanece quase invisível para os brasileiros. Por trás dela está uma empresa chamada Tecsis e um empresário de nome Bento Koike. Juntos, ele compõem um dos segredos mais bem guardados do novo capitalismo nacional.

Em meros 12 anos de vida, a Tecsis construiu uma história espetacular de sucesso, baseada 100% em inovação, tecnologia verde e conhecimento gerado no Brasil, por brasileiros. Segunda maior fabricante de pás para geradores eólicos do planeta, a companhia tem mais de 12 mil de seus equipamentos operando em dez países. É uma espécie recatada de Embraer, que opera no limite mais avançado da invenção tecnológica, mas manteve-se, até recentemente, coberta por uma nuvem de anonimato. Tornou-se notícia internacional na virada do ano, quando fechou um contrato gigantesco com a General Electric, a multinacional de origem americana que lidera o mercado internacional de energia eólica. Pelo acordo, a Tecsis fornecerá pás para as turbinas de vento da GE nos próximos cinco anos, ao preço aproximado de US$ 1 bilhão. É uma transação histórica, sem precedentes no ramo da energia limpa, equivalente ao que uma empresa receberia se fechasse, sozinha, um contrato para fornecer todos os equipamentos à nova usina de Porto Primavera, a segunda maior de São Paulo, com 1,8 mil megawatts de potência. Nem por isso, foi detectado nenhum sinal de celebração dentro dos portões da Tecsis. Koike, o engenheiro aeronáutico que fundou e controla a companhia, é um empresário discretíssimo, que nunca havia dado uma entrevista nem tido sua imagem publicada. "Tem sido assim desde que iniciei a empresa, por diversas razões pessoais e como princípio para a companhia", disse ele a Época NEGÓCIOS, na primeira conversa de sua vida com um jornalista, realizada em Sorocaba durante a terceira semana de maio. Mas os tempos estão mudando rapidamente e Koike se diz tentado a usar a projeção que começa a ganhar como um ativo na cruzada pela sustentabilidade. "Decidi reconsiderar minha posição em função da relevância que as fontes alternativas vêm assumindo e da gravidade do quadro ambiental", afirma. "Podemos dar nossa contribuição."

QUEM É BENTO KOIKE
Idade: 51 anos Nasceu em: Curitiba (PR) Estado civil: separado, quatro filhos Formação acadêmica: formado e pós-graduado no ITA, com cursos de extensão universitária no Canadian Communications Research Center e no Instituto de Pesquisa Aeroespacial da Alemanha. No momento, participa de um programa OPM (Owners and Presidents Management ou gestão para donos e presidentes de empresas) em Harvard Carreira: dedicou-se à pesquisa aeroespacial, no Centro Técnico Aeroespacial, nos primeiros seis anos depois da formatura. Em 1983, criou, com seis outros sócios, a Composite, empresa que desenvolveu grande parte dos equipamentos do Programa Espacial brasileiro. Em 1995, fundou a Tecsis (Tecnologia e Sistemas), que preside até hoje Coisas de que se orgulha: "Dos meus filhos, da trajetória da minha família no Brasil e da Tecsis, claro" Passatempos: cinema, teatro, dança, música e artes plásticas. Sua paixão é o desenho. Sonho: "Não sou uma pessoa de grandes sonhos. Mas tenho vontade de fazer diferença para o Brasil de alguma maneira"

IMIGRAÇÃO Os avós de Bento Koike deixaram o Japão em 1930, vindos das cidades de Mito e Umaken. Seus pais cresceram e se conheceram no Brasil. Primeiro filho, ele nasceu em Curitiba, no Paraná, em 1956, descendente pelo lado paterno de uma linhagem de samurais que remonta a 18 gerações. O código de valores da casta guerreira o fascina ainda hoje. Do pai, pintor de painéis publicitários e um curioso pelo mundo, ele diz ter herdado o lado filosófico. O perfeccionismo estético e funcional, assim como a persistência, que marcam sua vida, também têm raízes na infância de moldura o oriental


Primeiro filho de um casal de imigrantes japoneses, paranaense de nascimento e paulista por opção profissional, Koike é um exemplo de mobilidade e vigor do capitalismo brasileiro. Energético, aparentando menos que seus 51 anos, é o mais velho dos engenheiros aeronáuticos da família. Seus dois irmãos mais novos, gêmeos, também se formaram no famoso Instituto Tecnológico de Aeronáutica. São de lá, da exigente faculdade militar de São José dos Campos, os mais antigos e próximos amigos do criador da Tecsis. "Ele é descendente de samurais. Segue um código de honra particular", diz Odilon Camargo do Amarante, um dos engenheiros desse círculo mais restrito de amizades. É sério. Koike diz ter em casa uma árvore genealógica que, partindo de seu avô paterno, recua a 18 gerações de Koikes, chegando à mais nobre das castas de guerreiros japoneses. E, ele próprio, tem algo de samurai? O empresário ri, empurra para trás os cabelos muito pretos, repartidos ao meio, e responde a sério: "O código de valores do samurai é uma coisa que me interessa". A preocupação com valores, diz ele, está presente na gestão da companhia: "A gente fala muito sobre isso. É algo que nos dá resistência para enfrentar adversidades". Como muitos de sua geração, Koike cultiva concepções nacionalistas sobre a função da empresa e do empresário. Ele vê a Tecsis como um exemplo vivo de inovação verde-amarela. O reconhecimento internacional, diz, é "uma afirmação da capacidade do povo brasileiro". Mesmo a criatividade da companhia, que em vários sentidos reinventou as regras de seu mercado, tem conexão com o caráter nacional. Diz Koike: "Ser criativo é característica do brasileiro, historicamente mais livre no seu pensar do que o americano, europeu ou asiático".

Que não se imagine, atrás desse discurso, um sujeito pretensioso, introvertido ou ríspido ao se expressar. Talvez pelo sucesso, mais provavelmente por personalidade, o fundador da Tecsis é a imagem de um homem feliz. De físico miúdo, ele é bem-humorado, vivaz e desenvolto. Fala rápido e pula de um assunto a outro com entusiasmo verdadeiramente juvenil. Ri fácil e tem prazer visível em fazer os outros rirem. Artes em geral ocupam boa parte de seu tempo livre, mas sua verdadeira paixão é o desenho à mão livre. "O Bento é um ótimo desenhista", atesta Flávio Araripe, outro ex-colega de faculdade. Sua diversão, já nos tempos do ITA, era criar cartoons inspirados em sua turma de aeronáutica. Fez até mesmo a capa do livro de recordação do primeiro ano da classe, o chamado Álbum do Bicho. "Ele era quase um artista", lembra o velho amigo. A ligação de Koike com a arte é usada com freqüência para transmitir conceitos aos parceiros de criação. Se está difícil expressar com palavras o que pretende atingir, ele faz desenhos que traduzem idéias complexas. Funciona, pelo menos entre engenheiros. "O Bento equilibra muito bem o lado esquerdo (responsável pelo pensamento analítico) e o direito (intuitivo e criativo) do cérebro", diz Camargo. Da turma de 1977 do ITA saíram outros nomes conhecidos nos meios acadêmicos e empresariais brasileiros. Um deles é o do cearense Mário Alencar Araripe, criador da marca de jipes Troller. Outro ex-colega é o consultor paraibano Sílvio Meira, figura influente no mundo da tecnologia da informação no Brasil. "O Bento é um grande engenheiro, sua empresa é uma fonte de inovação, e ele está fazendo algo que poucas empresas no Brasil conseguiram: produzir sistemas de elevada sofisticação tecnológica aqui, com tecnologia daqui", elogia Meira. "São produtos de classe mundial para clientes mundiais."

"Decisões são tomadas por uma única pessoa, mas ela tem de saber ouvir"

Diferentemente do que seria de esperar de um engenheiro-samurai, Koike não veste bem o figurino de workaholic e faz pouco caso de seus pares que se orgulham das jornadas de 16 horas ao dia. "Eu não acho que a quantidade de tempo passada no escritório seja um indicador de qualidade do trabalho", diz. O fato de ter principalmente clientes internacionais o força a viajar bastante. Hoje em dia, dada a demanda crescente dos equipamentos da Tecsis, ele passa pelo menos uma semana por mês no exterior. Nem por isso acostumou-se à idéia de delegar a terceiros a tomada de decisões importantes. "A decisão tem de ser tomada por uma pessoa. Eu não acredito em decisões tomadas em conselho", afirma, mais categórico que de costume. "No meu nível, eu sou o responsável pelas escolhas. Abaixo de mim, há responsáveis em várias instâncias. Evidentemente, para errar menos, é preciso ouvir muito." De preferência, ouvir pessoas com especialidades e visões de mundo diferentes umas das outras. Koike gosta de ter por perto gente com muita energia e otimismo, que busque a inovação e tenha boa capacidade de reflexão. Simples do jeito de se vestir - paletó e gravata só para visitar ou receber clientes - ao modo de se expressar, Koike é conhecido pela capacidade de soltar tiradas engraçadas nos momentos mais tensos das reuniões. "Por mais séria que seja a situação, você tem de manter um ambiente descontraído, no qual as pessoas possam se manifestar. A informalidade no trabalho é fundamental para que haja um bom fluxo de idéias", afirma.

FORMAÇÃO Em 1973, no auge da ditadura, Koike ingressou no ITA, o famoso Instituto Tecnológico de Aeronáutica, em São José dos Campos, de onde saíram, entre outros, os quadros que deram origem à Embraer, a mais bem-sucedida empresa brasileira de tecnologia. Na rigorosa escola militar, ele fez a maior parte dos amigos que o cercam até hoje. Foi lá, também, que se descobriu como excelente desenhista, registrando a fisionomia dos colegas nos álbuns de calouros. Do ambiente nacionalista do ITA Koike carrega o orgulho da criatividade brasileira e a certeza de que é possível e necessário ousar na engenharia

Formado e pós-graduado no ITA, com cursos de extensão universitária no Canadian Communications Research Center e no Instituto de Pesquisa Aeroespacial da Alemanha, Koike nunca deixou de estudar. Engenharia, claro, mas também disciplinas quase opostas, como filosofia e outras "humanidades", às vezes em cursos da paulistana Casa do Saber. Só agora, porém, está olhando para as questões gerenciais de maneira mais acadêmica, em um curso na Universidade Harvard. São três semanas por ano, ao longo de três anos. "Como muita coisa na minha vida, essa oportunidade surgiu inesperadamente", afirma. Quando a Tecsis virou case do curso de Harvard, a universidade o convidou a participar. "Estou gostando", diz ele. "É muito intenso e nada dogmático. Mas, para mim, o básico da gestão continua sendo o senso comum." Koike é, antes de tudo, um engenheiro. E um esteta. Sua satisfação ao falar do design em escala colossal das pás produzidas na Tecsis não se sustenta quando o assunto migra para questões administrativas. Mas reaparece com força se o tema é sustentabilidade. "Hoje, a energia eólica é reconhecida mundialmente como uma alternativa privilegiada para a geração de eletricidade diante da ameaça do aquecimento global", diz ele. A indústria do vento expandiu-se 32% em 2006, globalmente, e o interesse por energias alternativas ganhou características de febre nos Estados Unidos. O jornal The New York Times, em reportagem publicada em 14 de março, faz um trocadilho com o tema, ao dizer que a "era pontocom" no Vale do Silício pode estar dando lugar aos tempos "watt.com". Veteranos da primeira onda da internet estão se reagrupando em torno de novas empresas energéticas e vivendo o sonho de "transformar o mercado americano de energia, de US$ 1 trilhão, enquanto salvam o mundo". A União Européia não fica atrás - na verdade, está bem à frente, e tem como meta gerar 10% de toda a eletricidade que consome a partir do vento até 2030. No ano passado, os mercados globais assistiram a 50 aquisições de companhias de energia eólica, a um total de US$ 4,7 bilhões, 32% acima do volume de 2005. Só nos três primeiros meses de 2007, esse valor foi superado. Foram 14 transações no valor de US$ 4,8 bilhões, de acordo com a consultoria Dealogic.

A INDÚSTRIA MUNDIAL DO VENTO
>>> Emprega cerca de 120 mil pessoas
>>> Movimenta anualmente mais de US$ 14 bilhões
>>> Tem crescido a uma taxa anual de mais de 28% ao longo dos últimos dez anos
>>> Supre as necessidades de eletricidade de mais de 25 milhões de residências
>>> Conta com mais de 85 mil turbinas eólicas instaladas em 50 países

Com apenas 300 megawatts de potência instalada, o parque eólico brasileiro é quase irrelevante do ponto de vista global, e também para a Tecsis, que não vende suas pás por aqui. Mas, com seu gigantismo territorial e um invejável regime de ventos nos pontos extremos dos litorais Sul e Nordeste, o Brasil é apontado como um dos países com maior potencial para desenvolvimento da energia eólica. "Tenho notado dúvidas no governo brasileiro quanto a isso, mas não poderia haver dúvidas", diz Koike. Sua preocupação é de cidadão e também de empresário. Se o mercado interno começar a demandar equipamento, é natural que os grandes fabricantes de turbinas venham para cá. E, se isso de fato acontecer, a Tecsis terá, enfim, uma chance de ganhar no país a mesma notoriedade que conquistou no exterior. A definição que a própria Tecsis usa para sintetizar sua missão como empresa é precisa: "Propiciar uma ponte entre a pesquisa aeroespacial de ponta e os produtos industriais". Através de sucessivas empreitadas, Koike aperfeiçoou as tecnologias de manufatura de materiais para uso aeronáutico, com as quais tomou contato no ITA, adaptando-as às necessidades dos maiores fabricantes mundiais de aerogeradores - e também à produção de grandes ventiladores industriais, sua outra linha de produtos, menos glamourosa. A companhia exporta cerca de 90% de tudo que produz, número que chega a 100% no caso das pás para turbinas eólicas.

FUNDAÇÃO Depois de concluir o ITA, Koike mergulhou no mundo da energia eólica, que nascia impulsionado pela crise do petróleo dos anos 70. Foi um dos pioneiros do grupo técnico formado ao redor do Centro Técnico Aeroespacial. Nessa época, estudou no Canadá e na Alemanha. Quando o grupo foi dissolvido, Koike lançou-se com amigos à aventura de sua primeira empresa, a Composite, fabricando pás para turbinas de vento. Foi um desastre administrativo. Lição aprendida, persistiu. Juntou-se a três sócios para criar a Tecsis, de olho no crescente mercado internacional. Corria o ano de 1995

Avesso a fórmulas de gestão e receitas de sucesso, o engenheiro garante não ter um decálogo para transformar idéias em produtos. "A natureza de empreendedor nasce com você. A curiosidade técnica também", diz. Aos 15 anos, ele construiu um submarino para duas pessoas. "Os testes foram, digamos, limitados", admite ele, às gargalhadas. Mas o projeto era sério, e foi apresentado, com sucesso, em uma feira de ciências paranaense. O protótipo emergia, submergia, tinha sistema de renovação do ar e se deslocava tão rapidamente quanto permitia sua propulsão. A pedal. "O conceito era bem completo, e acho que ele poderia resistir a profundidades consideráveis", diz o inventor. Educação de qualidade, segundo ele, é fundamental para estimular a criatividade. "Tive o privilégio de ter acesso a uma boa escola. Estudei em Curitiba numa época em que a escola pública era de alta qualidade", lembra. Pelo menos no caso dele, houve também muita influência da família. Sobretudo do pai, um pintor de painéis publicitários que ele descreve como "um curioso do mundo": "Filosoficamente, devo muito a ele." O perfeccionismo e a persistência que marcam seu trabalho, segundo Koike, provavelmente vêm de seu lado oriental - com um inesperado tempero germânico. Logo depois de formado, Koike morou um ano no Canadá e quase dois na Alemanha, entre idas e vindas. "Aprendi muito com o rigor alemão", afirma. "Solidez e precisão são características muito próprias do alemão, que eu sempre procurei incorporar." Mas foi o Brasil que determinou o que, a seu ver, é essencial na sua personalidade de empreendedor: a criatividade e a ousadia de ver as coisas de um modo mais leve. "Você pode enxergar a engenharia de uma forma quadrada, mas nesse caso não será mais do que um bom seguidor de modelos prontos", afirma. "Na Tecsis, a idéia é inovar, e você tem de saber que o líder não tem a quem imitar. Eu acredito em engenharia ousada e criativa."

É fundamental pensar assim quando se é participante de uma das corridas tecnológicas mais emocionantes das últimas décadas. Há 20 anos, as turbinas eólicas médias tinham 50 mil watts de potência. Hoje, há equipamentos de 5 milhões e de 6 milhões de watts - o que significa não apenas uma, mas várias reinvenções dos aerogeradores. Ernesto Cavasini, especialista em energia da PricewaterhouseCoopers, calcula que se sucederam, em 25 anos, 12 gerações de equipamentos no setor eólico. "Passamos dos primeiros protótipos ao estado da arte em um quarto de século", diz. Daí a importância da engenharia ousada e criativa. "A inovação está presente em todos os aspectos da Tecsis", diz Koike. "A começar pela nossa estratégia global, que tem peculiaridades únicas no mundo." Exemplo: a flexibilidade de fazer as pás de acordo com os desenhos dos clientes, enquanto a concorrência cria peças-padrão e as oferece prontas ao mercado. Ou a decisão de operar a partir de um ponto único (Sorocaba), ao passo que os competidores optam por ter várias fábricas, perto dos chamados sítios eólicos. Nesse último caso, a excentricidade só é possível graças a um esquema logístico impecável. A Tecsis tem transportado semanalmente cerca de 100 pás para o Porto de Santos. São comboios de 2 quilômetros de extensão que saem de Sorocaba à noite e descem a Serra do Mar de madrugada, para chegar ao litoral ao amanhecer. Graças a um modelo de "embalagem" criado internamente, a companhia pode usar caminhões relativamente convencionais - ainda que enormes - para transportar as pás. A empresa desenvolveu também uma operação muito eficiente no porto e concebeu uma forma de agrupamento das peças dentro dos navios que ocupa o menor espaço possível, para diminuir o custo do frete. Fez tudo isso dentro de casa, ao custo de muito cálculo e muito suor.

FONTES DE ENERGIA
Taxa anual de crescimento no mundo
Fonte: Earth Policy Institute

As pás da Tecsis no mar da Irlanda: a turbina de vento da GE, na qual as pás se inserem, tem 100 metros de diâmetro e altura de um edifício de 40 andares

O reconhecimento internacional é expressivo. Billy Brooks, executivo da GE Energy para a América Latina, diz que o Brasil está se tornando um país importante para a cadeia de suprimentos da companhia. "E a Tecsis é um dos fornecedores mais estratégicos dentro dessa cadeia", acrescenta. As pás que a empresa fabrica - feitas de fibra com ligas complexas, revestimento de epóxi e dotadas de pára-raios internos - são o componente de nível tecnológico mais elevado das turbinas de vento. As peças produzidas em Sorocaba já equipam cerca de 65% dos aerogeradores vendidos pela GE nos Estados Unidos. Trata-se hoje de uma operação de US$ 4 bilhões por ano. Há quatro anos, quando a General Electric comprou a divisão de energia eólica da Enron, ela valia US$ 250 milhões. A explicação para o salto está na nova estratégia verde da GE e no brutal crescimento do mercado americano para energias limpas. Em 2010, estima-se que ele estará rendendo US$ 20 bilhões ao ano para a multinacional, o dobro do registrado em 2005. O mercado americano de energia eólica registrou 27% de crescimento em 2006 e os equipamentos da GE capturaram 50% desse mercado, que deve crescer 30% ao ano nos próximos cinco anos. Com sua produção corrente de turbinas toda vendida, a GE só aceita encomendas para entrega a partir de 2008 ou 2009. Dado o crescimento do setor, diretamente relacionado à procura de alternativas ao aquecimento global, o relacionamento da multinacional com sua principal fornecedora brasileira do ramo vem se estreitando. "Nós passamos um tempo na Tecsis, transferindo processos para lá. O Six Sigma, por exemplo", relata Brooks, referindo-se ao famoso programa de qualidade usado para reduzir custos e melhorar processos com base nas necessidades dos clientes. "Fizemos isso para desenvolvê-los como fornecedores qualificados e para dar mais produtividade à parceria. Posso dizer que o grau de inovação tem sido alto", afirma o executivo americano. Houve também troca de tecnologia, mas sobre isso a GE não dá detalhes. No ano passado, a Tecsis recebeu o prêmio de melhor fornecedora da GE Energy, em um universo de 500 empresas.

Para compreender a trajetória da Tecsis, é inevitável voltar às suas origens remotas, no Centro Técnico Aeroespacial, o CTA, de São José dos Campos. Era o final da década de 70 e, no rastro de duas crises do petróleo, começavam as pesquisas com energia eólica no mundo. Entre 1979 e 1984, funcionou no CTA o chamado Grupo Energia Eólica. Eram 32 pessoas na turma inicial. Entre elas, o recém-formado Bento Koike, designado para o subgrupo encarregado da construção das pás para as turbinas. No início dos anos 80, o Brasil assinou seu primeiro contrato de cooperação internacional nessa área: o Projeto Debra (Deutschland-Brasil), com a Alemanha. Normalizado o abastecimento de petróleo, o grupo de energia eólica foi dissolvido. Sete de seus integrantes, porém, decidiram levar para a iniciativa privada a experiência adquirida e montaram uma empresa chamada Composite, ainda em São José dos Campos. Entre eles, de novo, Koike. "Ele é um grande empreendedor, mas as coisas não brotam do nada", pondera o engenheiro Cláudio Bautzer, membro do grupo de pioneiros da energia eólica. "O CTA cumpriu seu papel de difundir tecnologia. O mérito do Koike está em adaptar essa tecnologia ao mercado e fazê-la mundialmente conhecida. Aqui é que entra o dedo do empreendedor." Depois de uma experiência traumática na Composite - "éramos um sucesso técnico, mas um desastre do ponto de vista administrativo", diz Koike -, o engenheiro reformulou sua estratégia de negócio e criou a Tecsis. Com três sócios minoritários, dois deles companheiros de jornada desde os tempos do CTA, decidiu nunca mais ter o governo como cliente (para evitar os calotes que contribuíram para a quebra de sua outra empresa) e concentrar esforços no mercado internacional.

A ANTILISTA DE KOIKE
Cinco práticas corporativas em que o dono da Tecsis não acredita
>>> Listas de melhores práticas. "Eu sou o antidez lições. Receitas prontas acabam tolhendo a capacidade de reflexão."
>>> Respostas-padrão para crises. "É melhor estar preparado para o próximo desafio que vier, e acreditar na sua capacidade de reagir a ele sem copiar modelos prontos."
>>> Gurus da gestão. "Não sou um bom leitor de livros gerenciais. O básico da gestão é o senso comum."
>>> Conselhos de administração. "Não acredito em decisões tomadas por conselhos. Só agora estou considerando a hipótese de constituir um na Tecsis. Gostaria de convidar o Maurício Botelho (ex-presidente da Embraer)."
>>> Ídolos corporativos. "Pessoas que me influenciaram? Não me ocorre ninguém. Gosto de pensar por conta própria."

Cabe, de qualquer modo, uma pergunta básica. O que há de especial nas pás fabricadas pela Tecsis, para lhe proporcionar um contrato bilionário com uma das multinacionais mais exigentes do mundo? "O nosso grande diferencial é produzir um componente extremamente complexo, em grandes volumes, com alta qualidade e custo competitivo", resume Koike. "Alguns de nossos concorrentes aliam duas dessas características, mas não as três ao mesmo tempo." Por "componente extremamente complexo" leia-se peças de mais de 6 toneladas de peso, cujo desempenho aerodinâmico depende de um desenho perfeito e de uma execução que possibilite precisão de 0,1 milímetro. Afinal, esse tipo de equipamento opera, por definição, em regiões com muito vento, turbulência e mudanças súbitas de direção das correntes, que provocam pressões estruturais violentas sobre as peças. Para construir pás capazes de suportá-las ao longo de uma vida útil de 20 anos, é necessária a utilização de materiais especiais (resinas reforçadas com fibra de vidro), tratados em processos complexos. Tudo isso em escala industrial, capaz de garantir a produção média de 12 pás por dia - ou mais de 4 mil unidades/ano.

TRIUNFO No ano passado, com apenas 12 anos de existência, a Tecsis fechou com a General Electric um contrato de US$ 1 bilhão para o fornecimento, ao longo de cinco anos, de pás de até 50 metros para as turbinas de vento da corporação americana. Espetacular, essa venda é o ponto culminante do processo de reconhecimento internacional da companhia de Sorocaba, que já tem 12 mil de seus equipamentos instalados em dez diferentes países. Koike, o neto de imigrantes de Curitiba, passa agora boa parte do tempo em aviões e aeroportos, visitando obras e clientes no exterior. Sua empresa se tornou caso de estudo em Harvard e encontra-se na vanguarda do movimento internacional pela geração de energia limpa. "Quero fazer diferença para o Brasil", diz Koike. Já fez

O modelo fabril da Tecsis combina automação e trabalho artesanal em medidas equilibradas. Como são muito grandes, as peças não se deslocam muito no chão de fábrica, mas o sistema é, na sua essência, uma linha de produção, ainda que não no sentido clássico do somatório de pequenas operações repetitivas. É menos Ford e mais o conceito de células de produção, adotado pela maioria das montadoras de automóveis, no qual cada funcionário cuida de uma série de procedimentos. O número de trabalhadores varia de acordo com a dinâmica do mercado, que, por ser relativamente novo, sofre muitas oscilações. No momento, há cerca de 3,5 mil deles, comandados por um batalhão de elite de engenheiros. "O sucesso da Tecsis pode ser atribuído a uma engenharia muito competente e criativa", diz Koike. Reza a lenda que, na Tecsis, só entram formandos do ITA. É uma quase-verdade. "Vou deixar muita gente chateada se disser que são todos do ITA. Então, digo que são do ITA e de outras escolas de ponta." A produção da Tecsis está distribuída em nove unidades de produção, mas atualmente passa por um processo de fusão e deverá ter, em breve, seis fábricas. Vistas de fora, suas fábricas no distrito industrial de Sorocaba compõem uma paisagem monótona. Mas quando se sabe o segredo que elas escondem...

A FORÇA DAS HÉLICES
 

 

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Comentário de Sam de Mattos em 27 março 2012 às 17:19

Para os que pensam que luz, no final de um tunel no Brasil, e o farol da locomitiva!

Comentário de Maria de Lurdes Yamaguti em 27 março 2012 às 16:58

Incrivel..... suspiro aliviada que ainda exista vida pensante neste planeta. Parabéns sr.koike.

Comentário de Sam de Mattos em 27 março 2012 às 11:55

O Bento Koike: Um Brasileiro empreendedor, patriotam descendentes de SAMURAIS, um ser humano Honrado. Ah quantos mais Bentos Koikes nos nescessitamos no Brasil! SdM

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