Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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BNDES e política industrial. O caso da operação da LBR

Matéria de capa da edição de ontem do jornal Valor mostra que Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), "deve fazer uma baixa contábil da ordem de R$ 700 milhões relativa à operação da LBR - Lácteos Brasil em seu próximo balanço, a ser divulgado até março. Na prática, o BNDES assume que o investimento feito em 2011 para criar a LBR dificilmente será recuperado".

Como explica a matéria dos jornalistas Luiz Henrique Mendes e Janice Kiss no Valor, o BNDES é dono de 30,28% no capital da empresa por meio de seu braço de participações, a BNDESPar. A LBR foi formada pela união de duas empresas do setor de lacticínios, em 2010: Bom Gosto, do empresário gaúcho Wilson Zanatta, e a Leitbom, controlada pela Monticiano Participações, empresa que tem como acionistas a GP Investimentos e a Laep, dona da Parmalat no Brasil.

O que se pode dizer a respeito dessa operação fracassada de criar um campeão nacional que envolveu a participação do BNDES? Acho importante destacar quatro pontos.

Política pública requer monitoramento e avaliação dos resultados e este caso não deveria ser exceção à regra

Primeiro, esse é um caso típico no qual o BNDES deveria ter ficado de fora. Política industrial deve focar em uma das três coisas: 1) criar vantagens comparativas; 2) resolver problemas de coordenação (retorno individual do projeto depende de investimentos complementares); ou 3) reduzir o custo de descoberta de atividades novas (não se sabe ex ante a estrutura de custo de algo que não se produz).

Financiamento subsidiado e investimento com recursos públicos (BNDESPar) em empresas grandes em setores nos quais já se conhece a estrutura de custo não é política industrial. É incentivo para se formar empresas grandes com recursos públicos. Não é nem a velha política industrial que defendia Alice Amsden, na qual o apoio do setor público estava condicionado a um processo de diversificação das empresas incentivadas em novas atividades, e nem tão pouco a nova política industrial que defendem Dani Rodrik e Ricardo Hausmann de Harvard, no qual a política industrial deve focar na redução do custo de descoberta de novas atividades e/ou na solução de problemas de coordenação.

Segundo, independentemente do sucesso ou do fracasso dessa operação, não há aqui aprendizado algum para o setor público, que não seja ficar de fora desse tipo de operação. Política industrial é tentativa e erro. Mas tentativa e erro para descobrir coisas novas que não se sabe ex ante se um país (ou região) será ou não competitivo. Por exemplo, se o BNDES tivesse perdido R$ 700 milhões financiando empresas que estavam tentando desenvolver um principio ativo para um remédio para combater câncer, etc., mesmo com o fracasso, poderia ter ocorrido algum aprendizado que seria utilizado por outras empresas e laboratórios no país.

Não é o caso do setor de lacticínios. Trata-se aqui de uma atividade estabelecida, na qual já se conhece perfeitamente a estrutura de custo e condições de mercado. Aqui, mesmo no caso de sucesso da empresa, não haveria nenhum aprendizado para política industrial e, no caso do fracasso, não haverá também nenhum aprendizado com o agravante da perda de R$ 700 milhões para os contribuintes. Quem vai ter algum aprendizado com esse caso é a GP investimentos, que ainda tentará reestruturar a empresa para diminuir sua perda e que vive desse tipo de atividade como outros fundos privados de investimento.

Terceiro, o governo ou suas agências não são e nem devem ser gestores de empresas e, assim, não se beneficiariam com o aprendizado que decorreria de experiências de gestão cujo retorno é preponderantemente privado. Neste caso, se a empresa tivesse resolvido os problemas de gestão e adotado outra estratégia de negócios, poderia ter dado certo. No entanto, o tipo de aprendizado (boa gestão e estratégia correta de escolha do mix de produtos, aposta em determinados nichos de mercados, etc.) que decorreria desse sucesso seria importante para um fundo de investimento privado, mas irrelevante para a política de um banco público que deveria fomentar projetos de maior retorno social e não individual.

Quarto, é impressionante o descaso com a opinião pública de empresas que recebem recursos públicos. Como aparece na matéria do Valor: "Procurada diversas vezes, a LBR não quis se pronunciar. A empresa sequer informa quantas unidades possui e as que estão em operação. Também procurados, GP Investimentos, Laep e o empresário Wilson Zanatta, da Bom Gosto, não comentaram". Empresas incentivadas com recursos públicos deveriam ser muito mais transparentes.

É esse o tipo de política industrial que se quer? O BNDES precisa ser sócio de empresas já estabelecidas em setores nos quais já se conhece a estrutura de custo? O que me impressiona é o fato de algumas pessoas acharem esse tipo de operação normal.

O BNDES, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) deveriam aproveitar esse caso e reavaliar a estratégia da política industrial brasileira de criar campeões nacionais. Não se trata aqui de acusações quanto à legalidade ou não das operações de fomento a fusões e aquisições (F&A) das quais o BNDES tem participado ativamente desde 2009.

O que se busca é que haja um debate mais profundo quanto ao custo e benefício de determinadas operações no âmbito da política industrial. O problema é que esse tipo de avaliação pode gerar "desconforto" entre órgãos do governo e, assim, corre-se o risco da avaliação ficar restrita a supostos especialistas do setor público", como aconteceu, recentemente, com a avaliação dos Fundos Setoriais de Inovação e da Lei de Informática.

No entanto, sem monitoramento, avaliações periódicas e transparentes das ações de política industrial, o setor público não deveria dar continuidade a esse tipo de política. Política pública requer monitoramento e avaliação dos resultados e a política industrial não deveria ser exceção à regra.

Mansueto Almeida é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A opinião expressa é a do autor, não exprimindo o ponto de vista do instituto.

Autor(es): Mansueto Almeida Valor Econômico

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