Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

O país que mais influencia a prosperidade mundial prepara-se para a maior troca de comando da década. Os novos líderes assumirão em meio a um dilema: para manter a China crescendo será preciso arejar o regime, mas um movimento equivocado pode ser desastroso. O mundo aguarda com a respiração suspensa

Pequim tem mais de 3000 anos de história, mas para o visitante a efemeridade da vida é a primeira lembrança que ela evoca. Andar em um táxi na capital da China pode ser uma experiência aterradora. Os motoristas guiam em zigue-zague, têm fixação pela buzina e horror ao cinto de segurança, que socam no vão do banco de modo que nem por mil gafanhotos o passageiro consegue arrancá-lo de lá. Pequim tem 5 milhões de carros e o pior trânsito do mundo. Só se vê uma rua iivre lá quando a polícia abre caminho para a passagem de um guanyuan, termo usado para se referir a um dirigente do Partido Comunista da China (PCC). No próximo dia 8, as avenidas que levam à Praça Tíananmen serão interditadas para que centenas de guanyuans se dirijam ao Grande Salão do Povo. Lá, ao lado do enorme retrato de Mao Tsé-tung,  eles vão eleger, ou melhor, referendar o nome dos homens que liderarão a China pelos próximos anos. É a mais profunda troca de comando da última década no país que se tornou o GPS geopolítico mundial e o termômetro da economia global. Tudo o que se passa na China interessa diretamente ao mais alienado dos mortais, no mais distante dos países. Quando, no fim dos anos 90, se dizia que o bater de asas de uma borboleta em Tóquio poderia causar um furacão no Texas, o fenômeno da interdependência das economias já era um fato consumado. Mas nem o mais delirante visionário poderia imaginar a que ponto ele chegaria. A China levou ao paroxismo a ideia de globalização da economia. É por isso que o mundo agora prende a respiração ante o anúncio da nova geração de líderes — sobre a qual tudo o que se pode dizer é que não incluirá um único fio de cabelo branco.

A estrutura de comando no regime chinês continua cimentada no mais genuíno molde soviético — é centralizada. monolítica e inescrutável. Embora já esteja definida, a identidade dos homens, e talvez das mulheres, que vão integrar o Comitê Permanente do Politburo, a mais alta instância decisória do PCC. permanece um segredo. O único nome tido como certo o do futuro presidente, Xi Jinping, sobre o qual pouco se sabe além do fato de que é engenheiro químico por formação, integrante da nobreza vermelha (o pai foi homem de confiança de Mao) e fã de programas de esporte na TV. O regime chinês encara o conceito de transparência da mesma forma que os motoristas de Pequim veem o cinto de segurança — como um acessório apreciado pelos ocidentais, mas sem utilidade por lá.

O Brasil olha apreensivo para essa potência opaca como a Grande Muralha do momento em que acorda à hora em que vai dormir. "O que a China compra ou deixa de comprar é tão crucial que dizemos que ela é o nosso ministro da Economia,”. diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comercio Exterior do Brasil. Se um meteoro caísse na China e ela sumisse do mapa amanha. a balança comercial brasileira não apenas despencaria, mas mudaria de sinal. iria facilmente dos atuais 17 bilhões de dólares de superávit para pelo menos 15 bilhões negativos”. calcula Welber Barrai, da consultoria Barrai M Jorge. Nessa conjectura apocalíptica, os Estados Unidos, cujo gigantesco déficit a China financia, ficariam insolventes. Pequenos, médios e grandes negócios fechariam as portas. A Europa também viria a nocaute, sem gordura para queimar e com países ancorados na exportação de maquinário. O Japão, que tem 20% de suas exportações direcionadas para a China, entraria em colapso, o mesmo destino dos vizinhos asiáticos Bangladesh e Vietnã, hoje satélites chineses. Portanto, nem  é bom pensar nessa catástrofe cósmica. Ela só serve para dar a real dimensão da dependência que os 5,7 bilhões de pessoas fora da China têm do apetite e da possibilidade de consumo do 1,3 bilhão de chineses.

No polo industrial de Shenzen, as praças estão lotadas de recrutadores pagos pelas fábricas para atrair trabalhadores. Nas tabuletas que exibem, as ofertas de salário chegam a 400 dólares mensais — o dobro da média de 2006. Algumas incluem promessas como dormitórios com ar-condicionado, festas de fim de ano e até “vale-bolo” para os aniversariantes — tudo para tentar fisgar a cada vez mais escassa mão de obra operária. Por causa do envelhecimento da população, a previsão é que a  oferta de trabalhadores com menos de 24 anos caia um terço nos próximos doze anos. "Agora são os operários que escolhem a empresa em que vão trabalhar, e não o contrário", diz a recrutadora Zhou Li.

No tempo da fartura de braços, a China inundou o planeta com seus manufaturados. Com o dinheiro das exportações, fez com que portos, aeroportos e cordilheiras de arranha-céus brotassem do chão como bambu depois da chuva. Para manter girando o motor do crescimento, construiu  o que era preciso, o que era desnecessário e também o que mais tarde se revelou a mais pura extravagância, como um castelo de 12000 metros quadrados que imita o Palácio de Versalhes, esplendorosamente instalado em meio a uma rodovia na cidade industrial de Tíanjin. O Chaieau Dynasty foi erguido para comemorar o aniversário de uma vinícola estatal. Tem salões com paredes forradas de tapeçarias, lustres monumentais e um apenas tênue compromisso com a obra e a época que o inspiraram, como atestam a réplica em tamanho natural da pirâmide do Louvre em frente à sua fachada "‘barroca" e a escadaria de mármore do salão principal que o guia orgulhosamente informa ter sido baseada naquela em que Nicole Kidman aparece no filme Moulin Rouge. Alguns dos aposentos do Chaxeau Dynasty foram feitos para funcionar como restaurante e salão de jogos. Mas, por enquanto, só o que se vê neles são funcionários entediados que, à vista de um raro visitante, cuidam de esconder o taco de bilhar atrás das costas.

Castelos delirantes, cidades fantasmas, edifícios vazios — estaria a China alimentando um colapso imobiliário de conseqüências catastróficas? E o que acontecerá com o mundo se ela frear esses investimentos de vez? Uma pista para a última pergunta está no preço do minério de ferro. Cotado a 12 dólares a tonelada em 2000, ele passou a valer 136 dólares em 2011 — e a diferença se deve unicamente à entrada da China na cena mundial. É de imaginar o tombo que sua saída provocaria. No Brasil, o minério de ferro, a soja e o petróleo representam, juntos, 80% das exportações para lá.

Nâo importa quantas provas de resistência a China já tenha dado,  nunca faltam analistas com a avaliação de que a potência asiática se encontra em uma sinuca de bico. Eles mostram isso na ponta do lápis. Se o investimento em capital fixo na China está batendo em 50 % do PIB e o crescimento sustentado da economia é diretamente ligado a esse indicador, então, para continuar nesse ritmo  avassalador, o governo chinês vai ter de continuar poupando — o que é quase o mesmo que investir em capital fixo. Ocorre que boa parte desse investimento na China é desnecessário — aeroportos hiperdimensionados, prédios descomunais quase desabitados, estradas asfaltadas ligando o nada a lugar nenhum. Em algum momento, dizem certos analistas, esses investimentos improdutivos vão mandar a conta, pois eles custaram dinheiro e não estão gerando nenhum. Aí então começaria a quebradeira de bancos e empresas que terão perdido fortunas nessas obras.

Esse cenário pessimista, rebatem os otimistas, ignora o fato de que tudo o que parece hoje desperdício ou mentalidade faraônica na China nada mais é do que planejamento — a preparação para o futuro urbano de um país de passado e presente rurais. “A urbanização é um elemento-chave para entender a China", diz o analista e investidor americano Robert Kuhn. Centenas de milhões de chineses já trocaram o campo pela cidade e mais 300 milhões devem fazer o mesmo até 2030. É um aumento quase igual à população dos Estados Unidos. “A ocupação urbana é gradual, mas as condições para que ela se dê têm de ser providenciadas com antecedência", diz Kuhn. “Construa e eles virão" é o mantra do governo chinês. E, depois de virem, eles consumirão, desejarão ter casas e precisarão de transporte. "Isso é o que vai assegurar a continuidade do crescimento da China, do qual o mundo inteiro espera participar",  diz Castro.

Crescer rapidamente é vital para a China. Sem isso. as  freqüentes mas fracas fagulhas de insatisfação (quase 500 manifestações de protesto por dia), ainda facilmente apagadas pelo regime, podem incendiar o tecido social banhado na gasolina da desigualdade, na censura sistemática, nos escândalos de corrupção, no desacreditado sistema legal e nos alimentos de má qualidade. O resultado seria uma explosão de conseqüências sociais e políticas inimagináveis. Todo dia os jornais registram um novo escândalo relacionado a comida adulterada. Wu Heng, um jovem morador de Xangai, criou um blog sobre o tema depois de ler que produtores estavam misturando um aditivo de carne de porco para vendê-la como carne de boi. O blog teve 10000 acessos em janeiro, e entre março e abril já registrava 5 milhões. Uma das notícias que ele reproduziu e que tiveram maior repercussão veio do Diário de Guangzhoil. Em maio, o ex-empregado de uma fábrica clandestina em Dong-guan, na província de Guangdong, procurou um repórter do jornal para revelar que havia trabalhado para um comerciante cujo negócio consistia em colher o óleo que boiava nos canais de esgoto e ianques de assepsia da cidade para em seguida filtrá-lo e revendê-lo como óleo de cozinha. Levada pelo denunciante à fábrica clandestina, a polícia encontrou lá setenta barris do produto prontos para ser distribuídos a restaurantes da vizinha cidade de Slienzen. Diz o historiador americano Jeffrey Wasserstrom: "Episódios como esse estão aprofundando o que já caracteriza uma crise de confiança da população em relação ao governo”.

Diz-se da China que ela é comunista por dentro e capitalista por fora. Nada indica que isso vá mudar com os homens de temos escuros, cabelos retinios e poucas palavras que ascenderão ao poder. Tampouco se espera que a  marcha em direção à plena economia de mercado sofra uma aceleração abrupta. As regras no comando do PCC são feitas para evitar o surgimento de líderes impactantes, seja à esquerda, seja à direita. O partido faz de tudo para que não apareçam revolucionários como Mao Tsé-tung. personalidades domínadoras como Deng Xia-oping ou enterradores de regime como o russo Mikhail Gorbachev. O poder é para ser compartilhado. Os líderes têm prazo de validade de dois mandatos. Aos 68 anos, aposentam-se. As disputas entre as facções são de natureza pragmática e resolução discreta. Isso, claro, se a mulher de um dirigente não assassinar um empresário inglês e for denunciada pelo homem de confiança do marido, que é condenado à prisão por crime de desobediência ao Partido — a narrativa oficial para o caso do ex-secretário do PCC em Chongqing, o neomaoista Bo Xilai.

Com sua aversão ao risco e sua preocupação com a estabilidade, o governo Hu manteve o Partido coeso e os ventos da “primavera árabe” distantes de Pequim. Mas a escolha teve seu preço. “Num momento em que a China precisava desenvolver tecnologia e conhecimento, tomar sua economia mais eficiente e sua política mais transparente, o que se viu foi um governo com um déficit de inovação, amarrado por um pacto de mediocridade e uma obsessão pelo consenso, afirma o historiador Willy Lam, professor da Universidade Chinesa de Hong Kong e autor do livro Chinese Politics in the Hu Jintao Era. Para que a China continue crescendo, reconquiste a confiança interna e mostre ao mundo que não é um fóssil totalitário que se esqueceu de desaparecer, os novos dirigentes terão de arejar o regime. O mundo deseja-lhes boa sorte e assiste a tudo com um frio na espinha.

Fonte:Veja

 

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