Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Coleções masculinas revisitam os dândis

                   

       

                                       
Por Vanessa Barone | Para o Valor, de São Paulo
                   

       

DivulgaçãoModelos nos bastidores do desfile da inglesa Burberry

Qualquer semelhança entre o estilo dos rapazes que desfilaram pela edição de outono-inverno 2014 da London Collections e o personagem de telenovela mais popular do momento - o entojado Félix (Mateus Solano) - não é mera coincidência. Aliás, em moda, não existe coincidência, mas um desejo coletivo que, quando se espalha, ninguém sabe dizer de onde surgiu - e nem para aonde vai.

E o desejo coletivo do momento, que pôde ser reconhecido na semana inglesa de moda masculina, remete a um personagem que marcou a história do vestuário para eles no século XIX: o inglês George Bryan Brummell (1778-1840), ou o "Belo Brummell". Perfeccionista, elegante e frequentador da família real, ele foi o precursor do estilo de vida dândi, que para a moda significou rigor na alfaiataria e atenção quase maníaca aos detalhes da vestimenta.

"Brummell pregava que o homem deveria tomar três banhos por dia, com troca completa de roupas", diz o professor de história da moda João Braga. "As peças não podiam ter sequer uma ruga." Somente assim teriam uma imagem impecável. Na novela "Amor à vida", da TV Globo, o vilão Félix faz questão de usar ternos bem cortados e perfeitamente ajustados, mesmo desempregado. Os tons sempre escuros, de marinho e bordô, também remetem à moda dândi, que substituiu os tons chamativos usados pelos homens no final do século XVIII por cores mais sóbrias.

DivulgaçãoDetalhe de ‘look’ do estilista Richard James: desejo coletivo que remete ao estilo do século XIX

Tamanha exigência imposta por Brummell e seus seguidores ajudou a desenvolver a alfaiataria masculina inglesa, que virou referência no mundo inteiro, a partir de então. "Foram os dândis que criaram a chamada 'calça chaminé', precursora das calças compridas masculinas, de pernas retas, que existem hoje", diz Braga. Enquanto a Inglaterra ainda estava no período Rococó, os dândis já desenhavam o "dresscode" do homem da Revolução Industrial.

Na semana passada, ecos desse estilo puderam ser vistos em algumas coleções, como a da tradicional casa inglesa Burberry. A marca trouxe um time de homens vestidos com sofisticação - e uma pitada de excentricidade. Com casacos poderosos, sapatos lustrosos e lenços para arrematar o visual, os homens da Burberry transpiram refinamento.

Refinamento com um toque "vintage" que também pôde ser visto nas criações de J.W. Anderson (com seus sapatos de saltos altos), Richard James e Paul Smith. Em ambos os casos, o visual soou como uma atualização do "dandismo". O estilo imortalizado por Brummel tinha um vocabulário próprio: pregava o uso de casaco, colete, camisa de gola alta com plastron (lenço que precedeu a gravata), calça comprida e cartola. Mas negava os bordados, as joias ou qualquer acessório supérfluo. "Não foi a suntuosidade que ditou a regra e sim a distinção e a sobriedade que se tornaram a marca registrada da moda masculina", explica Braga. "A magia criada por esse estilo tornou-se, a partir daí, referência em todo o vestuário para eles do século XIX."

DivulgaçãoÀ esq., modelo de J.W. Anderson e traje da nova coleção de Paul Smith

Entre os mandamentos de um dândi estava o uso de roupas de qualidade inquestionável, mas nunca com cara de novas. "Por isso, Brummell entregava suas roupas ao mordomo, Robinson, para que as usasse por um tempo, antes dele", afirma João Braga. Tudo para não ser confundido com um "novo rico". A verdadeira elegância, pregava Brummell, morava na tradição. Roupa boa era aquela que passava de geração em geração e não perdia o corte. "Não é à toa que a Inglaterra é um lugar onde prosperaram lojas de segunda mão ou brechós".

Cada detalhe era importante. O nó no plastron deveria ficar perfeito já na primeira tentativa. "Ou ele tinha de ser lavado e passado novamente, antes de ser usado", comenta o historiador. Sim, os dândis eram cheios de manias.

Mas também eram respeitados. "Brummell pode ser considerado um dos primeiros consultores de moda", diz Braga. Isso porque, ele foi uma espécie de conselheiro para assuntos de vestuário e etiqueta do Príncipe de Gales, que viria a ser o Rei George IV, do Reino Unido. Segundo a obra "Moda Masculina", de John Hopkins (Bookman), foi o dândi que conseguiu abrandar o estilo ornamentado do então futuro Rei. Depois disso, a aristocracia inglesa adotou uma aparência bem mais discreta. "Brilhos, emblemas decorativos e salto alto para homens logo saíram de moda", descreve a obra.

DivulgaçãoLooks da inglesa Burberry: sofisticação

Em termos culturais, a Europa vivia o período do Romantismo, cujos ideais defendiam a liberação das emoções do homem em detrimento do racionalismo iluminista. "Quiseram o retorno de um homem emocional, espontâneo, e não só aquele que buscava a verdade através do intelecto", descreve o historiador João Braga. A forma, portanto, passou a valer tanto quanto o conteúdo.

Atualmente, a descrição de dândi é de "um indivíduo que se veste com elegância e requinte" e que "se comporta com afetação e delicadeza" (de acordo com o dicionário Houaiss, da Língua Portuguesa). A definição, no entanto, pode dar margem a especulações sobre a sexualidade desses personagens. "Os dândis não eram necessariamente homossexuais", explica o historiador. A proposta não era parecer feminino, embora o colarinho alto, que mantinha a cabeça suspensa, contribuiu para o aspecto de arrogância e esnobismo típico do dândi.

O "dandismo" fez história e angariou seguidores. Segundo João Braga, o escritor Charles Baudelaire e o brasileiro Santos Dumont estavam entre eles. Por detrás da imagem impecável, no entanto, os dândis tinham um "quê" de decadência implícita, como se escondessem um "lado negro". O próprio Brummell, diz Braga, não tinha onde cair morto, depois que torrou a herança deixada pelo pai. Ele apostava na fachada para parecer bem sucedido e transitar nas altas rodas. Qualquer semelhança com o atual vilão da "novela das nove", portanto, não é obra de ficção.

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