Autor: Valor Econômico
Há mais fatores que indicam que as principais commodities agrícolas negociadas pelo Brasil no exterior permanecerão com preços internacionais firmes nos primeiros meses de 2011 do que elementos que sinalizam a possibilidade de uma queda significativa em relação aos elevados patamares atuais. As cotações de soja e milho são as mais elevadas desde julho de 2008, enquanto o suco de laranja oscila em torno de máximas em três anos e meio, o café em mais de 13, o açúcar em três décadas e o algodão em 140 anos.
A demanda global por alimentos segue aquecida, puxada por emergentes liderados pela China, e perduram reflexos climáticos negativos sobre a oferta de exportadores como Rússia e Argentina. Ao mesmo tempo, as incertezas financeiras em mercados desenvolvidos como EUA e Europa ainda geram movimentos que deixam como resultado um dólar fraco e atraem grandes fundos de investimentos a mercados como os de grãos, entre outros, cujos fundamentos justificam a ampliação dessas apostas.
Conforme as estimativas mais recentes do Conselho Internacional de Grãos (IGC, na sigla em inglês), nesta safra 2010/11, em fase final de colheita no Hemisfério Norte e de plantio no Hemisfério Sul, a produção mundial de trigo e grãos forrageiros, incluindo o milho, alcançará 1,725 bilhão de toneladas, para um consumo total de 1,786 bilhão. Se confirmado o cenário, os estoques voltarão a cair, o que já ocorreu em 2009/10 em relação ao ciclo anterior.
Como informou na quarta-feira o Valor, o total de investimentos financeiros nos mercados de commodities em geral, inclusive não agrícolas, soma US$ 360 bilhões, ante US$ 10 bilhões há uma década, e conforme o banco Barclays Capital, de Londres, o fluxo líquido de aportes adicionais nos índices de commodities deve fechar o ano próximo de US$ 60 bilhões.
Dispostas as cartas conhecidas na mesa, restam ao crescente número de observadores preocupados com a novamente galopante "agroinflação" global a expectativa de que as medidas que vêm sendo adotadas pelo governo chinês para frear a inflação de fato arrefeçam o apetite do gigante e a esperança de que mais esse ciclo agrícola ascendente perca força ainda no primeiro semestre, com as definições sobre a próxima safra de cereais e grãos (2010/11) no Hemisfério Norte - que tende a ser grande justamente em virtude da tendência de que os preços estejam remuneradores quando os produtores decidirem quanto vão plantar.
Certezas "altistas" e dúvidas "baixistas" também norteavam os cenários traçados pelos especialistas em commodities agrícolas no fim de 2009. A diferença básica é que as perspectivas apontavam para uma oferta global gorda nos primeiros meses de 2010. A bonança se confirmou e os preços chegaram a ceder um pouco, apesar da China, mas vieram os problemas climáticos sobre a produção de grãos na região do Mar Negro a partir do fim do primeiro semestre e novas disparadas aconteceram.
Para efeito da inflação dos alimentos, soja, milho e trigo, referenciados na bolsa de Chicago, são os produtos agrícolas cujas altas aprofundadas pela crise na Rússia, que brecou suas exportações, e pela menor produtividade nos EUA mais preocupam. Mas também boa parte das mais importantes "soft commodities" (açúcar, algodão, café e suco de laranja), balizadas em Nova York, tiveram a oferta de exportadores - o Brasil entre eles - reduzidas por problemas climáticos e subiram com força em 2010. A exceção foi o cacau, que mesmo assim encerra o ano com potencial para subir com mais uma crise política em seu principal exportador, a Costa do Marfim.
Levantamento do Valor Data com base nas médias mensais dos contratos de segunda posição de entrega (normalmente a de maior liquidez) das oito commodities agrícolas citadas mostra que todas subiram em dezembro (médias até o dia 29) na comparação com novembro e que sete delas encerrarão o mês com cotações mais elevadas que em dezembro de 2009.
Na relação anualizada, o maior salto, de 77,05%, é o do algodão, seguido por café (53,20%), milho (44,28%), trigo (43,39%), soja (26,91%), suco (21,57%) e açúcar (14,70%). O cacau aparece com baixa de 10,84%. O petróleo, uma das commodities preferida dos investidores, sobe 18,01% em Nova York no confronto entre as médias dos meses de dezembro; o ouro, que ganhou força com os tropeços e tombos europeus, sobe 23,37%.
Instados a explicar a onda de valorização das matérias-primas básicas para a produção de alimentos, analistas, economistas e executivos das grandes tradings mundiais de grãos têm se esforçado para lembrar que os preços mantiveram-se relativamente acessíveis nas últimas três décadas e que todo ciclo, de alta ou de baixa, um dia termina. Em sua mais recente declaração pública, o CEO da americana Bunge, o brasileiro Alberto Weisser, previu preços ainda elevados em 2011, mas vislumbrou uma acomodação já em 2012.
É difícil precisar, mas as contas do Valor Data baseadas nas médias de preços praticadas em dezembro em Chicago e Nova York sugerem que o ciclo ascendente atual já dura pelo menos seis anos, apesar de a volatilidade ter aumentado proporcionalmente ao crescimento das apostas dos fundos de investimentos nesses mercados. Uma tabela que cruza as oscilações das oito commodities do levantamento em 12, 24, 36, 48, 60 e 72 meses produz, no total, 48 variações, certo? Dessas, apenas três são negativas: a do cacau em relação a dezembro de 2009 (10,84%), a do trigo sobre dezembro de 2007 (15,06%) e a do suco na comparação com dezembro de 2006 (19,25%). As demais 45 variações resultantes são positivas. A maior delas é a do açúcar, que fecha este dezembro com preço médio 210,99% superior ao de dezembro de 2004.
Não por acaso a FAO, o braço das Nações Unidas para agricultura e alimentação, começou a externar sua preocupação com mais veemência nas últimas semanas. Em meio a tantas valorizações, as importações globais de alimentos poderão superar US$ 1 trilhão em 2010, marca só registrada em 2008, por causa das disparadas de preços que antecederam a quebra do banco Lehman Brothers.
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