Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Grifes internacionais se estabelecem também fora do eixo São Paulo-Rio — e estão se dando muito bem

DESEJO ANTIGO -- O empresário Marcelo Cunha com a mulher, em Brasília: barcos de 800.000 reais fazem sucesso (Foto: Cristiano Mariz)

DESEJO ANTIGO — O empresário Marcelo Cunha com a mulher, em Brasília: barcos de 800.000 reais fazem sucesso (Foto: Cristiano Mariz)


NA ROTA DO DINHEIRO NOVO

As marcas internacionais vão atrás da riqueza fora do eixo Rio-São Paulo – e, a fiar-se no sucesso inicial de vendas em Brasília, Recife ou Curitiba, a aposta foi boa

Não será porque a temperatura mínima no inverno só muito raramente fica abaixo de 24 graus no Recife que as pessoas vão deixar de comprar uma autêntica trench coat da Burberry. A capa de chuva de corte militar com o inimitável forro de lã xadrez é uma das especialidades da marca e item essencial do guarda-roupa na Inglaterra, país onde a temperatura média no auge do verão dificilmente ultrapassa os 20 graus e beira zero grau no inverno.

A loja da Burberry, aberta em dezembro no Recife, viu seu estoque mensal de capas de chuva evaporar em uma semana ao custo de 5000 reais cada uma. Ainda assim, as peças foram apenas o aperitivo para as vendas mais sólidas das bolsas, algumas com preço de 9000 reais. Se faltam condições meteorológicas para justificar o sucesso da invernal Burberry em região de tão baixa altitude e alta taxa de insolação, o que explica seu extraordinário desempenho comercial naquelas paragens tropicais? O dinheiro.

Quem acompanha de perto os indicadores de venda das marcas internacionais no Brasil tem notado que, pouco a pouco, não apenas o Recife, mas também Brasília e Curitiba estão se consolidando como mercados atraentes para produtos caros. “Existe um dinheiro novo nessas regiões, e as marcas seguem sua trilha”, diz Carlos Ferreirinha, da MCF Consultoria, que produziu um mapa que mostra claramente o fenômeno ao qual ele se refere.

(CLIQUE NA IMAGEM PARA VÊ-LA EM TAMANHO MAIOR)

(CLIQUE NA IMAGEM PARA VÊ-LA EM TAMANHO MAIOR)

Há apenas três anos, em 2010, o comércio de produtos de marcas internacionais célebres era concentrado no eixo Rio-São Paulo, com 80% do total. Caiu para 65% e, consequentemente, a participação dos novos mercados no total subiu para 35%.

As mudanças são notáveis. No comportamento do comprador, o que se verifica é um tal ânimo de consumo que não se abalou nem com a recente alta do dólar.

Os patamares de venda ficaram inalterados mesmo diante da recente e violenta variação para cima do câmbio. As lojas refletem essa disposição. Burberry, Gucci, Prada e Dior, cujos produtos antes eram vendidos principalmente em multimarcas, correram para abrir os próprios e exclusivos estabelecimentos.

Em Curitiba, o Pátio Batel, o mais novo shopping da capital paranaense, aberto em setembro passado, tem lojas exclusivas da Louis Vuitton, Tiffany & Co. e Versace. No RioMar, do Recife, inaugurado há um ano, a Burberry disputa os cartões black e platinum das clientes chiques com a alemã Hugo Boss e a americana Coach.

Quem teve de se mexer para se adaptar aos novos tempos foi a recifense Juliana Santos, proprietária da Dona Santa, a “Daslu do Nordeste”. Juliana reforma agora um prédio para abrigar estandes da marca italiana Fendi e da francesa Chloé.

Diz a empresária: “Mesmo se botasse um mantô na arara no meio do verão venderia, e muito bem”. Isso é sinal de prosperidade e de um enorme desejo reprimido de consumo de marcas célebres. Essa combinação, porém, embute um risco muito bem definido pela eterna Coco Chanel: “Algumas pessoas pensam que luxo é o oposto de pobreza. Não é. Luxo é o oposto da vulgaridade”.

 

AO CÂMBIO DO DIA -- Juliana Santos em sua “Daslu do Nordeste”, no Recife (Foto: Leo Caldas)

AO CÂMBIO DO DIA — Juliana Santos em sua “Daslu do Nordeste”, no Recife (Foto: Leo Caldas)

Para fincar base naquelas capitais, o investimento médio das grandes marcas requer cerca de 5 milhões de reais. O retorno é quase certo, mas vai demorar de três a cinco anos. Nem sempre é o lojista que paga a conta. “Há casos em que o próprio shopping banca o custo total, só para ter uma marca dessas no seu portfólio”, afirma Sílvio Passarelli, diretor do MBA de gestão do luxo da Faap, em São Paulo.

Se a marca dá prestígio ao shopping, ele também beneficia muito a grife, que precisa de uma localização adequada para se instalar. Resume Luciana Marsicano, diretora-geral da Tiffany & Co. no Brasil: “Ninguém abre uma joalheria no meio do nada. O ambiente em volta tem de combinar com o produto”.

Dinheiro chama dinheiro. Segundo o cálculo de Emerson de Pieri, responsável pelo Haliwell Bank na América Latina, existem hoje no Brasil cerca de 139.000 pessoas com pelo menos 1 milhão de dólares (2,2 milhões de reais) disponíveis para ser gastos com produtos não essenciais.

Pelas contas do Haliwell, só Curitiba tem hoje 3100 milionários. Brasília conta com 2712. O Recife tem menos, 910, mas dispõe de um diferencial que faz brilhar os olhos dos executivos. Os muito ricos da capital pernambucana ardem com a “excitação de consumo”.

A febre de consumo de alto nível no Recife atrai caravanas vindas das grandes cidades do Nordeste. “Muitos moram no interior, nunca foram a Londres ou Paris, mas se satisfazem nos shoppings do Recife”, conta Camila Coutinho, 26 anos, a influente blogueira de moda na região.

A disposição para gastar em roupas e acessórios quase sempre é o indicador mais visível de fortunas ainda maiores trocando de mãos no comércio de jatos executivos e carrões. A BMW tem hoje em Curitiba seu terceiro maior mercado no Brasil, atrás de São Paulo e do Rio de Janeiro.

No Distrito Federal, os mimos são os barcos. Mesmo os modelos de menor efeito ostentatório no Lago Sul são sucesso. “A venda de barcos de até 800000 reais disparou”, afirma Marcelo Cunha, que tem uma revenda náutica.

 

Salomão Soifer, dono de um novo shopping em Curitiba: nem mesmo a recente alta do dólar arrefeceu os ânimos dos compradores de artigos caros (Foto: Michelle Muller)

Salomão Soifer, dono de um novo shopping em Curitiba: nem mesmo a recente alta do dólar arrefeceu os ânimos dos compradores de artigos caros (Foto: Michelle Muller)

A despeito da euforia de vendas na nova fronteira do interior, o Brasil é ainda um protagonista modesto para os padrões mundiais. Segundo a consultoria Bain & Company, o faturamento global das empresas de alto padrão foi de cerca de 600 bilhões de reais em 2012, dos quais o Brasil ficou com minguado 1,2%.

Algumas características típicas do consumidor brasileiro são facilmente percebidas e atendidas. Só no Brasil as lojas da Tiffany & Co. têm mesas e cadeiras, pois o vendedor gasta cerca de 30% mais tempo com as compradoras aqui do que com as dos Estados Unidos e da Europa.

Vencida a barreira da renda interna e das idiossincrasias locais, os elevados impostos e a infernal burocracia alfandegária brasileira são agora os grandes inimigos dos empresários do ramo. Antes de descartar como fúteis esses esforços, não custa refletir sobre a constatação do filósofo francês Jean Baudrillard: “A humanidade é fruto do desejo, e não da necessidade”.

Reportagem de Alvaro Leme, publicada em edição impressa de VEJA

Exibições: 190

Comentar

Você precisa ser um membro de Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI para adicionar comentários!

Entrar em Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

© 2024   Criado por Textile Industry.   Ativado por

Badges  |  Relatar um incidente  |  Termos de serviço