Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Com a abertura do capital, o Magazine Luiza prepara um agressivo plano de expansão que pretende sacudir o varejo brasileiro de eletrodomésticos

 

Quem conhece Luiza Helena Trajano, 61 anos, sabe que ela está angustiada. Dona Luiza é boa de prosa. Corre o Brasil fazendo palestras e apresentações sobre as tendências no varejo e discorre com naturalidade sobre temas que vão da falta de qualidade das atuais telenovelas e do Big Brother até as consequências de o Brasil ter, finalmente, eleito uma mulher para a Presidência da República. Vaidosa, não tem se furtado a fazer rápidos comentários sobre a cirurgia bariátrica a que se submeteu em dezembro e já a fez perder 20 quilos. 

O que impede a sempre falante presidente do Magazine Luiza de exercer seu sagrado direito de bater um bom papo são as regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que impõem um longo período de silêncio para quem oferece ações na Bolsa de Valores. No caso do Magazine Luiza, a oferta inicial de ações, conhecida pela sigla IPO, em inglês,  aconteceu na segunda-feira 2, depois de a própria empresária realizar um périplo durante todo o mês de abril apresentando a empresa e convidando investidores a tornarem-se seus sócios. 
 
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Dia de festa: Luiza Helena Trajano entre os fundadores da rede:
Pelegrino José Donato e a tia Luiza Trajano, no IPO da empresa 
 
O road show, como é conhecida a apresentação,  levou Luiza Trajano aos Estados Unidos, à Europa e ao interior do Brasil. Valeu a pena gastar sola de sapato. A abertura de capital movimentou R$ 926 milhões e a maior parte desses recursos reforçou o caixa da varejista. Com faturamento líquido de R$ 4,8 bilhões em 2010, a meta é usar o novo fôlego financeiro para expandir a rede e chegar aos R$ 15 bilhões em quatro anos. Depois de estrelar um comercial para seduzir investidores e propagar sua imagem pela tevê, Luiza Trajano fechou-se em copas ? os inúmeros pedidos de entrevista foram gentilmente recusados nos últimos dias.
 
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Do interior para o Brasil: o Magazine Luiza começou com uma pequena loja em Franca (SP). Hoje, está em 16 Estados
 
A operação do Magazine Luiza chega com pelo menos três anos de atraso. Cogitada desde 2008, foi atropelada pela crise financeira mundial, que derrubou as bolsas de valores em todo o mundo. No entanto, a necessidade de fortalecer o caixa para enfrentar a concorrência cada vez mais acirrada no varejo persistia. Com pouca bala na agulha, Luiza foi atropelada pelo Pão de Açúcar no fim do primeiro semestre de 2009, na reta final da  disputa pelo Ponto Frio. Faltou-lhe dinheiro e sobraram mágoas em relação a seu parceiro estrangeiro, o Capital Group, que adquirira, em 2005, uma fatia de 12,3% do capital do Magazine, por US$ 70 milhões. 
 
Na hora H, o Capital não teria fornecido os recursos necessários. Agora, sua participação foi diluída. O episódio, seguido pela fusão do Pão de Açúcar com a Casas Bahia, no segundo semestre daquele mesmo ano, fez com que Luiza se convencesse de que era preciso preparar o Magazine para a capitalização em bolsa. Esse caminho passava pela profissionalização da empresa, que começou há cerca de dois anos com a contratação do atual superintendente da rede, Marcelo Silva, e do diretor de finanças, Vitor José Fabiano, que fora um dos arquitetos do bem-sucedido IPO da Visanet (atual Cielo). 
 
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?É necessário que se coloquem em prática medidas de governança corporativa, de processos, de gestão, de sistemas?, disse Fabiano ao assumir suas funções. A companhia seguiu a cartilha e listou-se no Novo Mercado da Bovespa, o mais exigente em termos de governança corporativa. A ação estreou em alta de 2,81% na Bovespa, a R$ 16,45, próximo ao preço mínimo estabelecido no prospecto. 
 
Mais que uma operação financeira, o IPO foi uma das respostas de Luiza à concorrência, que enxergava sua empresa como presa no agressivo processo de aquisições desencadeado por Abilio Diniz, do Pão de Açúcar, e Michael Klein, da Casas Bahia, titãs do varejo nacional. Diniz e Klein, surpreendentemente, anunciaram a unificação de suas operações no final de 2009,  um fato impensável  até pouco tempo antes. 
 
Em março do ano passado, foi a vez da mineira Ricardo Eletro e da baiana Insinuante anunciarem sua fusão. Os olhos de cobiça do mercado se voltaram para o Magazine Luiza, que seria uma eventual bola da vez. Quem conhece a empresária sabe que poucas coisas tiram seu bom humor. Minimizar a capacidade de sua empresa é uma delas e Luiza não gostou de ver sua companhia citada como alvo de aquisições, e não como compradora. Definiti-vamente, para ela, estava na hora de se transformar em caçadora. 
 
A primeira resposta veio no ano passado, quando o Magazine  fincou sua bandeira no mercado nordestino ao comprar as 150 lojas da rede Maia, da Paraíba, por estimados R$ 300 milhões. Agora, quase um ano depois e com o caixa reforçado, Luiza já determinou que pelo menos 30% do montante captado com a oferta de ações seja aplicado na expansão dos negócios. 
 
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A estratégia é ocupar espaços onde a marca já atua. Em São Paulo, por exemplo, onde o Magazine Luiza abriu 44 lojas em um único dia, em 2008, a meta era ter pelo menos 100 pontos de venda. Passados três anos, a rede conta com apenas 65. Novas aquisições não estão fora do radar da companhia, mas elas só acontecerão se surgirem oportunidades imperdíveis. Nesse campo, ela costuma entoar uma espécie de mantra: ?No varejo, expansão é necessidade e aquisição é oportunidade.? 
 
E não é só ela. O presidente da Casas Bahia, Raphael Klein, tem passado um bom tempo de seus dias debruçado sobre o mapa do Brasil e se detém com mais atenção sobre os Estados do Rio de Janeiro e São Paulo. ?Muita gente fala do Nordeste. É importante, claro, mas o Sudeste ainda é a joia da coroa?, afirmou ele à DINHEIRO. ?Quem disse que a Rocinha não é a bola da vez?? Tida como alvo de possíveis aquisições, a gaúcha Lojas Colombo, com 330 pontos de venda espalhados pelo Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo, não só não pendurou a plaquinha de vende-se em sua fachada como também resolveu ir às compras e fechou a aquisição da rede de 40 lojas da Bernasconi, de São Carlos, no interior de São Paulo. 
 
?Nossa meta é abrir entre 30 e 40 lojas nos próximos três anos?, diz César Siqueira Anderson, diretor operacional da Lojas Colombo. ?Embora não seja prioridade, novas aquisições não estão descartadas.? A Lojas Cem, que opera em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná, também avisa que não está à venda. ?Estamos investindo R$ 50 milhões para modernizar nossas 190 lojas?, afirma José Domingos, superintendente da Lojas Cem. 
 
Qual é a lógica, afinal, de quanto mais lojas, melhor? Nesse setor, tamanho faz uma tremenda diferença, diz Eugenio Foganholo, diretor da consultoria paulista Mixxer, especializada em varejo. ?Especialmente nos segmentos de móveis e eletroeletrônicos?, afirma. Esse é um dos mais intrincados desafios para quem vive do varejo. Nos últimos anos, camas, armários e sofás perderam espaço no mix das varejistas em favor dos televisores, aparelhos de som e computadores. Estes produtos, no entanto, são fornecidos pelos mesmos fabricantes para todas as redes. A única forma de se diferenciar para o consumidor é reduzindo preços. 
 
?Antes, pelo menos 35% das vendas das grandes do segmento estavam em móveis, que trazem mais lucratividade que os eletrônicos?, afirma Foganholo. ?Hoje representam menos de 20%.? Para o consultor, a expansão territorial também pode fazer diferença. ?Ao abrir lojas em cidades perto umas das outras, elas podem compartilhar os custos na logística de distribuição.?  
 
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Na cerimônia que marcou o início da comercialização das ações do Magazine Luiza na Bolsa de Valores de São Paulo, localizada no centro velho da capital paulista, houve de tudo, menos economia. A chegada do Magazine Luiza ao mercado de capitais foi realizada com pompa. Como manda a tradição, coube a Luiza soar a campainha que anunciou a abertura do pregão. A empresária mandou estender tapete vermelho e reproduzir a fachada de uma loja em frente à Bovespa ? alguns populares que passaram por lá chegaram a perguntar se o prédio ia virar ponto de venda da rede. 
 
Operadores e convidados para a cerimônia também receberam rosas vermelhas. Passadas as comemorações, porém, Luiza sabe que o desafio de manter sua empresa em curva ascendente só aumentou. Além das margens menores,  as redes enfrentam outro problema: ao se associarem aos bancos para oferecer crédito ao consumidor, passaram a dividir os custos da inadimplência, é certo,  mas também deixam 50% dos lucros nos cofres dos parceiros. ?Além disso, a remuneração financeira costuma ser mais alta que a comercial?, diz Cláudio Felisoni, coordenador do Programa de Administração do Varejo (Provar).  O Magazine Luiza e o Ponto Frio se associaram ao Itaú Unibanco. A Casas Bahia opera com o Bradesco e a Máquina de Vendas acaba de fechar parceria com o HSBC. O crédito no varejo virou commodity.
 
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Saldão: só no ano passado, o Magazine Luiza vendeu R$ 75 milhões, em apenas oito horas de liquidação
 
E não é só. Com políticas de crédito similares, vendendo os mesmos produtos e das mesmas marcas, o que fará um consumidor comprar sua tão sonhada geladeira no Magazine Luiza, em vez de uma na Casas Bahia ou no Ponto Frio? A receita de Luiza é conhecida: atendimento e inovação. De inovação ela entende. Quando ninguém sonhava com o varejo virtual, a empresária inventou o que pode ser considerado o precursor do comércio eletrônico atual. Eram espaços minúsculos com dois ou três vendedores,  um aparelho de tevê e outro de videocassete. Nesses locais, o consumidor podia ver um ?filme? do  produto que desejava comprar. Depois, a inovação evoluiu e os vendedores do Magazine Luiza passaram a exibir os produtos no monitor de computadores ? rodando em disquetes, bem entendido. 
 
Outra inovação de Luiza foram os saldões promovidos logo após as festas de fim de ano. Desde o início dos anos 2000, imagens de consumidores invadindo as lojas da rede em busca de produtos com até 70% de desconto tornaram-se tão comuns quanto as decorações natalinas. Só na megaliquidação do ano passado, o Magazine Luiza vendeu R$ 75 milhões em apenas oito horas de promoção na  rede, para milhares de clientes que passaram vários dias em filas à espera da abertura das lojas. 
 
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Mas a inovação não está apenas em ações midiáticas. Por sugestão da empresária, o departamento onde são vendidos secadores e as chamadas ?chapinhas? para alisar cabelos não só faz as demonstrações de praxe como promove uma espécie de ?transformação? nas clientes, com direito a maquiagem. A consumidora que passa por essa experiência dificilmente deixa de comprar o produto, ensina a empresária aos funcionários. 
  
Luiza também se orgulha de ter sido pioneira em outra seara: a qualificação da mão de obra, que é tratada como investimento, e não custo. A estratégia de Luiza nessa área é clara: conquistar a equipe ?pela cabeça, pelo coração e pelo bolso?. Traduzindo: ela investe em treinamento e pratica a política de portas abertas para que todos se sintam parte da empresa. Por fim, porém não menos importante, ela faz questão de remunerar bem e premiar seus funcionários. 
 
O exército de dona Luiza hoje soma 21 mil fiéis soldados. Tão fiéis e comprometidos que, logo após entoarem o Hino Nacional do Brasil, os empregados do Magazine Luiza que foram à Bovespa acompanhar a abertura de capital cantaram o hino da empresa ? cujo refrão dá uma ideia de que Luiza parece ter conseguido o comprometimento de que fala: ?ML quer dizer Minha Luta e também o Meu Lar...?, diz a canção. Esse hino  é entoado religiosamente todas as segundas-feiras, às 7h45 em ponto, em todos os endereços da Luiza, das lojas de bairro aos escritórios e ao QG em Franca (SP).
 
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Quando foi fundada, em 1951, pelo casal Luiza Trajano e Pelegrino José Donato, tios da empresária, o Magazine Luiza era, de fato, uma pequena loja, quase um lar. Luiza começou cedo. Aos 12 anos de idade, já atuava como vendedora. Em 1991, assumiu o comando dos negócios da família. A empresária pode ser considerada a precursora do Bolsa Família porque ainda na década de 1990 implantou o ?cheque-mãe?, um auxílio para as funcionárias com filhos até dez anos de idade. 
 
A rede também oferece bolsas de estudo para todos os empregados e ainda dá um auxílio mensal para aqueles com filhos excepcionais. Luiza fez o possível para que seus funcionários virassem sócios da empresa e comprassem ações na oferta da semana passada. O valor mínimo do investimento, nesse caso, ficou em inacreditáveis R$ 100. Até algumas faxineiras das lojas compraram, garante uma fonte próxima à empresária. Normalmente, as pessoas físicas têm comprado 10% das ações ofertadas nos IPOs. No caso do Magazine Luiza, o percentual foi de 25%. 
 
Os investidores estrangeiros ficaram com 60% do que foi ofertado. O fundo de pensão Previ comprou 2%, no valor de R$ 60 milhões. "O IPO do Magazine Luiza é um marco na popularização da bolsa", disse o presidente da BMF&Bovespa, Edemir Pinto. "Nós representamos a classe C na bolsa", afirmou a empresária, na cerimônia de abertura do pregão. Entre seus pares, Luiza Trajano também é festejada. "É determinada", diz João Claudino, fundador do Armazém Paraíba, do Piauí. 
 
"É uma guerreira?", garante o concorrente Abilio Diniz. "É competente", decreta Raphael Klein, da Casas Bahia. É ousada, completa o octagenário fundador da Lojas Colombo, Adelino Colombo. Mas a troca de gentilezas só dura até as 8 horas da manhã de cada dia, quando as 604 lojas do Magazine Luiza  e as dos rivais abrem suas portas. 

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