Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Mercado Ilícito, a Economia Criminal Transnacional

O fenômeno mercados ilícitos transnacionais refere-se a um problema criminal recentemente definido; assim, entendemos oportuno iniciar o Anuário com um capítulo de definições com algumas perguntas e respostas sobre questões que envolvem esse tipo de abordagem. Aspectos mais aprofundados sobre o problema, como origem, características e áreas do conhecimento que o abordam podem ser acessados no Anuário de 20166.

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O QUE SÃO MERCADOS ILÍCITOS TRANSNACIONAIS (MIT)?

Entendemos como mais adequada a definição utilizada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que desde 2013 organiza a Task Force on Countering Illicit para enfrentar esse problema criminal, e explica-o como a presença, combinada ou isolada, de uma das quatro categorias de produtos e serviços ilegais, apresentados por Willians 7:

  • Produtos e serviços proibidos, como narcóticos e comércio sexual.
  • Venda irregular de commodities, como antiguidades ou fauna e flora, produtos que inflijam os direitos intelectuais e produtos não adequados aos padrões locais.
  • Venda de produtos fora de seu mercado de destino, sem pagar os impostos de consumo local, como cigarros e álcool.
  • Venda de mercadorias roubadas, como carros e eletrônicos.

QUAIS OS TIPOS DE MIT?

Como observado, há dois tipos de mercados ilícitos transnacionais: (1) de produtos propriamente ilegais (os primários, como drogas e determinados tipos de armas); e (2) de produtos legais, mas adquiridos e comercializados de forma ilegal (secundários), invadindo setores legais da indústria e do comércio. O Anuário de MIT tem como foco apenas os MIT secundários.

COMO OS MIT SÃO IDENTIFICADOS?

O fenômeno manifesta-se através de diferentes tipos penais, especialmente: roubos e furtos de cargas, veículos, celulares (entre outros produtos), contrabando, descaminho e falsificação. Tais tipos precisam ser reunidos como um único problema criminal, que possa ser “visualizado” e controlado por políticas públicas formuladas a partir do conhecimento de sua dimensão e dinâmica, e não combatido apenas pelos delitos que promovem.

QUAIS MERCADOS ILÍCITOS TRANSNACIONAIS DE SÃO PAULO SÃO MONITORADOS PELO OMI?

O Anuário do Observatório de Mercados Ilícitos (OMI) monitora a evolução apenas de mercados ilícitos secundários em nove setores da indústria paulista. São eles: tabaco, eletrônicos, vestuário, químicos, automotivo, alimentos, higiene & perfume, brinquedos e medicamentos. Além de monitorá-los, estimamos seus impactos na indústria e na sociedade do Estado de São Paulo, sejam os diretos – em termos de crimes produzidos, empregos e renda perdida –, sejam os indiretos – em termos de falta de investimento e impostos que deixaram de ser recolhidos.

HAVERÁ INCLUSÃO DE NOVOS SETORES A SEREM MONITORADOS?

Não. O objetivo é monitorar a evolução da econômica criminal, por isso foram escolhidos setores onde há dados disponíveis. Entendemos que o monitoramento desses nove mercados funciona como uma proxy de todos os mercados ilícitos transnacionais que operam no Estado e, consequentemente, da econômica ilícita do Estado, revelando se estamos avançando, regredindo ou estagnados no seu controle e como eles relacionam-se entre si.

POR QUE APENAS DADOS DO ESTADO DE SÃO PAULO?

Primeiro, porque é a área de atuação da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp); segundo, porque os dados nacionais são ainda muito despadronizados; e, por fim, porque o Estado de São Paulo é o principal centro econômico legal e ilegal do país. Se no ramo lícito o Estado representa 32,2% do produto interno bruto (PIB) brasileiro (2014)8, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o ramo ilícito pode ser, de modo relativo, ainda mais representativo, já que São Paulo é destino final de diversas rotas nacionais e internacionais de contrabando e descaminho (produção ilícita externa), além de possuir o maior número de roubos e furtos do país (produção ilícita interna). Considerando as estimativas de subnotificação, o número estimado de roubos é em torno de 90.000 casos/mês no Estado9, que ocorrem contra as mais diversas vítimas, como pedestres, padarias, motoristas, táxis, farmácias, clínicas, fábricas, lojas, bancos, transportadores de cargas, dentre outros.

POR QUE SÃO PAULO É TÃO ATRATIVO PARA AS REDES CRIMINAIS DE MIT?

Em primeiro lugar, o “custo agregado” ao crime é baixíssimo no Brasil, ou seja, a prisão e a perda da renda criminal, definidas na literatura como “dissuasão e inabilitação” (explicados na próxima questão), são baixas frente à oportunidade de lucro, seja comparado a países próximos – como Argentina, Chile e Uruguai –, seja comparado aos países desenvolvidos. Sem este custo agregado, locais em que existe mercado e boa estrutura logística instalada atraem de forma voraz as redes criminais operadoras de MIT, como é o caso de São Paulo.

O Estado dispõe de rodovias, portos e aeroportos melhores que a média do país, e possui a maior metrópole da América do Sul, conectada com as ricas e estratégicas regiões metropolitanas de Campinas e Santos. Está próximo de grandes centros de consumo – como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba –, além de ser plataforma de saída e chegada de mercadorias dos Estados Unidos, Europa e Ásia. Isso faz do Estado, além de poderoso consumidor, principal destinatário e entreposto de mercadorias ilícitas (produção ilícita externa) do país.

Produtos chegam por vias terrestre, aérea e fluvial, advindos de países como Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia, Uruguai, Argentina, China, Estados Unidos, do Sudeste Asiático e da Europa. Esta condição é confirmada pelos resultados dos órgãos de controle da Aduana. Os valores mensais de apreensões registradas em 2016 disponibilizados pela Receita Federal demonstram que a 8a Região Fiscal (RF) – São Paulo – é responsável por 25,7% de todas as apreensões realizadas no país, a primeira entre as regiões fiscais, mesmo não sendo uma RF de fronteira. Depois dela encontram-se as regiões por onde operam as cadeias logísticas dos MIT: as regiões fiscais 1a (DF, GO, MT, MS e TO) e 9a (PR e SC), que incluem os Estados do Mato Grosso do Sul, Paraná e Santa Catarina – Estados que, além de consumidores, servem de corredores logísticos entre os principais postos de fronteiras e São Paulo –, computaram 38,7% do total apreendido. Sendo assim, somando as apreensões das 1a, 8a e 9a Regiões Fiscais, o que corresponde ao território paulista e os estados que possuem as principais rotas de acesso a ele, contabilizam 77% do total de apreensões em território brasileiro. Em 2016, essa porcentagem foi de 71,5% e em 2015 chegou a 73,4%.

Evidência importante da atratividade de São Paulo é a evolução da prisão de operadores estrangeiros das redes criminais transnacionais. Dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) de 2014 revelam que o número de estrangeiros presos no Brasil entre dezembro de 2005 e junho de 2013 cresceu 123%10. A Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo (SAP) revela que no Estado o crescimento foi de 23% entre 2009 e 2014, oriundos principalmente da América do Sul, África, Europa Oriental, Oriente Médio e China, ligados principalmente ao mercado de drogas, armas, eletrônicos, têxtil, veículos e demais contrabandos.

QUAL A METODOLOGIA DE MENSURAÇÃO DO VOLUME E DOS IMPACTOS DE MIT?

A quantificação do volume de mercadorias ilícitas é um desafio à parte, pela dificuldade de acessar dados confiáveis e mesmo de definir os produtos e valores que são alvos das redes criminais transnacionais. Portanto, optamos por desenvolver uma metodologia conservadora quanto à inclusão de produtos e estimativas de tamanho real, reduzindo as fontes de dados às apreensões públicas, sendo estimadas as subnotificações. Desta forma, garantimos uma fonte perene, de maneira a manter aferições sobre a evolução do problema, principal objetivo técnico do Anuário.

Para quantificar o impacto dos mercados ilícitos transnacionais secundários na economia paulista, consideramos a demanda pelo produto, seja lícita, produzida pela indústria nacional, seja ilícita, “produzida” por roubo, furto, contrabando, descaminho, contrafação e pirataria dos produtos; e a oferta, por meio do valor da produção de ambos os segmentos (lícito e ilícito). Ou seja, a abordagem quantitativa do Anuário de Mercados Ilícitos é caracterizada por um método estritamente contábil, que é uma alternativa frequentemente utilizada na literatura especializada em avaliação de custos do crime.

A demanda lícita é calculada através dos dados de produção e valor da produção declarados diretamente pelas associações industriais ou através do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Calculamos os postos de trabalho e a renda de salários por produtos com base nas declarações da mesma origem.

A demanda ilícita é calculada através dos dados da “produção ilícita interna”, dada primeiro pelo total de roubos e furtos (carga e veículos) estimados por segmento de mercado (registro público e subnotificação estimada) no Estado de São Paulo, transformada em valores, tendo por base o valor declarado pela vítima (como em alguns casos de roubo de carga) ou o valor do bem produzido legalmente, aplicando-se uma desvalorização média por tipo de produto e de uso estimado.

Depois, o valor da “produção ilícita externa” (representado no Capítulo 2 como taxa de transnacionalidade do setor) é dado pelo valor dos produtos apreendidos pela Receita Federal nos canais vermelho, amarelo e operações de fiscalização, multiplicando o resultado desse desempenho e o total de fiscalizações desembaraçadas no canal verde, de forma a estimar o total de apreensões que ocorreriam se a Receita aplicasse seu método de fiscalização sobre todos os canais, com o mesmo desempenho.

A opção por monetarizar a produção ilícita nos permite avaliar um mercado ilegal “real” também impactado pelos efeitos da inflação e da retração/expansão da capacidade de consumo dos paulistas, além de permitir os efeitos da melhora competitiva, em termos de formação de preço, da produção lícita sobre a produção/demanda ilícita.

DESENVOLVIMENTO DO MÉTODO PARA ESTIMAR A EVOLUÇÃO E NÃO O TAMANHO DOS MERCADOS

A metodologia para estimar a produção ilícita total é conservadora, principalmente quanto à produção externa, pois considera como fator preponderante a capacidade fiscalizatória dos órgãos de controle (polícias e Receita Federal); portanto, está submetida ao desempenho destas. Sabemos que boa parte dos produtos que adentram o país o fazem por pontos da fronteira sem qualquer fiscalização formal, constituindo um importante fluxo de entrada que não temos capacidade de estimar, o que nos leva a limitar a estimativa à entrada nos pontos de acesso onde há fiscalização formal. Entendemos ser o suficiente, em um primeiro momento, pois precisamos de informações seguras sobre o fenômeno e a variação da incidência ao longo do tempo, de forma a nos permitir entender a dinâmica dos mercados ilícitos, quanto ao fluxo, à variedade de produtos e à atratividade do mercado consumidor ilícito paulista.

Numa discussão mais aprofundada sobre metodologias específicas para a mensuração do ônus causado pela atividade criminal, o relatório The Costs of Crime and Violence: New Evidence and Insights in Latin America and the Caribbean11, publicado em 2017 pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), retrata um método contábil bastante similar ao adotado no Anuário. Além de ressaltar que o método estima apenas uma porção dos custos reais do crime, o estudo afirma que a diversidade nas bases de dados utilizadas dificulta o estabelecimento de comparações de estimativas. Esses são exatamente os aspectos destacados anteriormente sobre a metodologia do Anuário: a estimativa conservadora e a necessidade de uma fonte perene de dados, que facilite o estabelecimento de comparações de valores ao longo do tempo.

As fontes de dados e informações utilizadas no cálculo da estimativa de mercados ilícitos e, principalmente, dos impactos provocados na sociedade e Estado encontram-se no Anexo II. Esclarecimentos mais específicos podem ser prestados mediante solicitação direta ao Departamento de Segurança (Deseg-Fiesp)12.

O QUE É EXTERNALIDADE NEGATIVA DE UM MERCADO?

Segundo Pindyck e Rubinfeld13, uma externalidade ocorre quando alguma atividade de produção ou de consumo possui um efeito sobre outras atividades de consumo ou de produção, que não se reflete diretamente nos preços de mercado. O termo externalidade é empregado porque os efeitos são externos ao mercado. Dizemos que ela é negativa quando a ação de uma das partes impõe custos à outra.

QUAL A EXTERNALIDADE NEGATIVA DOS MERCADOS ILÍCITOS TRANSNACIONAIS EM SÃO PAULO?

A violência criminal, principalmente. O lucrativo comércio de produtos ilícitos aumenta a capacidade das redes criminais de provocar danos diretos aos cidadãos, deteriorar a segurança pública e a qualidade de vida dos países onde atuam, constituindo-se na principal externalidade negativa. Em 2016, esses efeitos são claramente observáveis no Estado de São Paulo através da manutenção ou do aumento de crimes diretos e indiretos, provocados pela busca de produtos e a manutenção de serviços (como venda de produtos ilícitos) por parte das redes criminosas.

Os crimes diretos são a produção ilícita, ou seja, a aquisição de produtos através de roubos, furtos, contrabando, descaminho, contrafação e pirataria de produtos. Destacaram-se:

  • Aumento de 4% do roubo geral*.
  • Aumento de 3,3% do furto geral*.
  • Aumento de 17,1 % do roubo de carga*.
  • Aumento de 30,3% no roubo/furto de celulares*.
  • Aumento de 29,6% na apreensão de cigarros e similares**.
  • Aumento de 337,7% na apreensão de pneus**.
  • Aumento de 72,46% na apreensão de óculos**.

Os crimes indiretos ocorrem durante a produção ou prestação de serviços ilícitos, ou seja, latrocínios, homicídios, estupros, tentativas de homicídios, lesões, tráficos e, principalmente, a corrupção passiva e ativa praticada como meio de viabilizar a aquisição dos produtos ilícitos. Destacaram-se:

  • Aumento de 2% dos mortos em roubos (latrocínio).
  • Aumento de 50% de policiais mortos em confronto com criminosos. A maioria dos confrontos é decorrente de intervenção policial em situações de roubo ou furto14.

Dados qualitativos também expressam a evolução dos MIT. É cada vez mais comum o uso de explosivos e armas de guerra como fuzil ou metralhadoras não só em grandes roubos de transporte de valores e cargas, mas também em roubos “simples”, como roubos de veículos e até das pessoas dentro dos veículos, como os noticiados recentemente na região do Morumbi15. Somente MIT desenvolvidos e “aquecidos” viabilizam ações violentas e custosas como essas.

Além do aumento dos crimes diretos e indiretos há outras externalidades, como o aumento da desordem decorrente da ocupação do espaço público por consumidores de drogas, uso de álcool por menores, comércio ilegal, dentre outras práticas facilitadas por mercadorias ilícitas que auxiliam a degradação do ambiente social. O efeito imediato é a ampliação da percepção de insegurança, desvalorização de imóveis, inibição das atividades econômicas e aumento do custo da insegurança (por perda/dano de bens, contratação de seguros, segurança eletrônica, segurança privada, etc.) e da demanda e pressão sobre as agências do sistema de justiça criminal.


6 FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (FIESP). Anuário 2016 – Mercados Ilícitos Transnacionais em São Paulo: a economia criminal transnacional. São Paulo: Fiesp, 2016. pp. 13-16.
http://hotsite.fiesp.com.br/omi/2017/economia-criminal-transnaciona...

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