Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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“O futuro do luxo no Brasil está no crescimento da classe C”


Para Carlos Ferreirinha, reconhecido como o maior especialista em mercado de luxo no país, as empresas que se dispuserem a educar esse novo consumidor colherão bons resultados em médio e longo prazos


Daniel Kfouri
Carlos Ferreirinha, o criador da ATUALUXO, a primeira conferência de gestão de luxo no país

 

 

Carlos Ferreirinha é um homem prático. Elegante, sem ser esnobe, ele preza pelo contato direto, mas com uma agenda em que tempo é uma commodity preciosa, ele se equilibra entre viagens, reuniões e cursos. Ferreirinha realizou em maio a ATUALUXO Brasil 2011, a primeira conferência sobre gestão de luxo do país, seguida por um curso para empresários e executivos em São Paulo. Apontado como o maior especialista em mercado de luxo no país, Ferreirinha é o primeiro nome na lista de consultores das empresas estrangeiras com planos de se instalar e se expandir no Brasil. Entre janeiro do ano passado e maio deste ano, sua agenda registra mais de 20 reuniões com executivos de grandes companhias e conglomerados do setor que buscam a resposta a uma pergunta: Qual é o melhor momento para investir no Brasil?

"Eu sempre digo: não espere o melhor momento. Comece agora". Esse timing, aliado a um conhecimento profundo do perfil do consumidor nacional, valeu um lugar de destaque a sua consultoria, a MCF. Em parceria com a GfK, a MCF publica anualmente um estudo sobre os números do luxo no Brasil. E que números. Em 2010, os brasileiros gastaram cerca de R$ 15,73 bilhões em artigos de luxo – na média, é como se cada brasileiro tivesse gasto R$ 4.710 por mês. O setor, porém, está restrito a 2,5% da população. Mas isso está mudando. “A classe média voltou a liderar o consumo, o que é um fenômeno recente, de dois, três anos para cá. Mas é aí que reside o futuro do mercado de luxo no Brasil”.

Ex-presidente da Louis Vuitton Brasil, há dez anos iniciou carreira como consultor. Também ajudou a fundar a Abrael – Associação Brasileira das Empresas de Luxo. “O mercado brasileiro é muito promissor. As grandes marcas lá fora estão recebendo brasileiros em suas operações como nunca. O maior concorrente da Tiffany’s em São Paulo é a Tiffany’s em Nova York.”

 

 

Como você definiria o mercado de luxo no Brasil?
O Brasil é um mercado promissor para o qual todo mundo olha no segmento de luxo. É também um país muito jovem. Vamos chegar a 2020 com faixa etária média de 34 anos de idade. Na Europa, é quase o dobro. Então, nós estamos entregando uma possibilidade de consumo muito jovial que deve se perpetuar nesses próximos anos. Mas é importante dizer: é um mercado promissor em longo e médio prazos. O que nós fizemos até agora foi a sedimentação muito incipiente e ainda muito embrionária do que ele pode ser.

 

 

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Vitrine da Barney's em Nova York: consumidor de alta renda é atraído a comprar mais fora do que aqui

 

 

Se ainda estamos nesse estágio, por que então só se lê artigos na mídia estrangeira dizendo que o Brasil é a salvação do setor e que os brasileiros são loucos por luxo?
Os mercados de luxo mais importantes sempre foram Japão e Estados Unidos. O Japão hoje está muito enfraquecido, os Estados Unidos também. A China é aquele espetáculo de consumo. Você tem a Rússia, que perdeu um pouco da força, mas ainda demonstra vigor. O que resta no mundo? A América Latina. Olhando para a América Latina, você só tem dois mercados relevantes, México e Brasil. O México possui uma economia muito dependente dos Estados Unidos e, portanto, tem sofrido solavancos enormes. Aí você olha para o Brasil. Um país com essa alegria, a economia crescendo regularmente sob um governo democrático, o brasileiro gastando como nunca. As grandes marcas estão recebendo brasileiros em suas operações no exterior como nunca receberam nos últimos 50 anos. Os executivos que precisam tomar decisões para os próximos dez anos pensam: eu vou para o Brasil. Mas só que isso acontece lá fora, não é aqui.

 

 

Mas as pesquisas mostram que os brasileiros estão consumindo mais no país, incluindo produtos de luxo.
Há uma reflexão importante a ser feita. Quantas lojas Gucci nós temos neste país? Duas (a Gucci deve abrir uma loja somente para homens em São Paulo em 2012). Quantas lojas Chanel? Duas. E quantas lojas Louis Vuitton após 20 anos de presença no país? Estamos ainda na sexta loja. A Louis Vuitton sempre quis abrir mais lojas. A LV sempre foi demandada corporativamente a abrir mais lojas. Só que os números não fechavam. Em que outro lugar do mundo se vê operadoras como o Shopping Iguatemi e o Cidade Jardim sendo parceiros das marcas e operando como devedor e investidor? Por que eles fazem isso? Porque têm dinheiro? Não, eles fazem isso para encurtar o tempo de tomada de decisão dessas marcas. Parte delas não consegue entender o mercado brasileiro em seu grau de complexidade, de burocracia, de mudanças de regras e de onerosidade. As empresas não entendem por que têm de pagar 2,2 vezes o salário quando contratam um funcionário. Tem o custo de importação com todos os impostos aqui dentro. O custo Brasil é muito alto. O ponto de reflexão que fica é: se mesmo assim estamos entregando esses números, imagine o que a gente não poderia fazer pelo mercado brasileiro? O Brasil cresceu quase 80% em termos de consumo de cartão de crédito lá fora. É uma cifra surpreendente.

 

 

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Consumidor deixa loja da Chanel: lojas em Paris, Nova York e Londres concorrem com pontos no Brasil

 

 

Quer dizer que o brasileiro está gastando bastante, mas não necessariamente aqui, então?
Se você perguntar às operações de luxo no Brasil, eles não estão preocupados com a loja ao lado ou com os produtos falsificados. Isso não tira o sono deles. O que tira o sono é o consumidor que viaja para o exterior. O maior concorrente da Tiffany’s em São Paulo é a Tiffany’s em Nova York. As marcas estão concorrendo com elas mesmas. Agora, quando você enxerga o mercado brasileiro no médio e longo prazos, faz todo sentido estar aqui no Brasil. Porque em algum momento tudo isso terá de ser organizado.

 

 

De quantos anos estamos falando?
Cinco a dez anos. Nós temos hoje muita abertura para conversa, mas acho que nesse espaço de tempo veremos mudanças importantes no Brasil.

 

 

Pode ser pouco tempo para aprovar mudanças de alcance tão grande. Qual é o grande risco se essas mudanças não acontecerem?
Eu acho difícil que consigamos manter nosso grau de competitividade sem rever urgentemente o custo Brasil. O Brasil é essa potência, mas está muito pautado nas commodities, nos agros... No segmento de luxo nós temos um crescimento importante, mas ainda um crescimento no topo. É o consumo do helicóptero, da lancha, do barco, do apartamento de R$ 20 milhões. Somos um país que vende loucamente helicópteros e, ao mesmo tempo, varejistas como Ricardo Eletro, Magazine Luiza e Casas Bahia, que olharam para a base da pirâmide, se deram bem.

 

 

Essas empresas, aliás, estão investindo em lojas diferenciadas, com produtos que antes o consumidor tradicional não encontraria nas prateleiras.
É aí que reside o futuro do mercado de luxo no Brasil. A classe média voltou a liderar o consumo no país e isso é um fenômeno de dois, três anos. Nós precisamos dessa classe média e ela precisa ser educada no consumo aspiracional. O segmento de luxo está associado a desejo, a vontade, manifestação verdadeira de se aventurar por consumo de prazer. O Sul tem renda per capita, mas ainda é mais conservador, tem uma cultura de consumo mais dolorida. O Nordeste é o contrário, não tem a renda per capita, mas tem a vontade. Ninguém poderia imaginar que o Nordeste, após São Paulo, lideraria os investimentos imobiliários de alto padrão, afinal, o dinheiro está no Sul. Mas o Nordeste tem a vontade. O Brasil inteiro precisa despertar como um país de consumo verdadeiro, não apenas dependente de São Paulo, que concentra de 68 a 75% do mercado.

 

 

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Loja da Cartier em Shinzu, na China: mercado chinês em explosão

 

 

Você se surpreende com o desejo de consumo da nova classe média?
Nós, brasileiros, somos muito impulsivos. Não temos visão equacionada de renda, a gente gasta muito mais do que deve. A gente compra no cartão, paga o mínimo, continua pagando e continua gastando. O brasileiro se vira. E mesmo o consumidor que viaja com freqüência tem o impulso de consumo e compra por aqui. O brasileiro é muito emocional na hora de consumir. Quando você compara o consumidor tradicional de produtos de luxo com esse novo consumidor, o comportamento é o mesmo: o “eu quero e quero agora”.

 

 

Quanto a classe média gasta com luxo? Qual é o tíquete médio?
Vamos tirar os extremos do mercado de luxo brasileiro, aquele consumidor que compra apartamentos de R$ 20 milhões, barcos de R$ 15 milhões. Estamos falando de valores próximos a R$ 4.700, que são valores médios de consumo importantes e absolutamente significativos.

 

 

E quando falamos de salários, de que nível estamos falando?
Quem consegue manter um consumo de R$ 3.500 a R$ 4.000 por mês tem um salário que ultrapassa os R$ 10 mil. Mas há uma base de consumidor importante que não pensa que a bolsa custa R$ 5 mil. Pensa que a bolsa custa dez parcelas de R$ 500. Cinco mil ele não pode pagar, mas dez parcelas de R$ 500, ele pode.

 

 

Mas as lojas desse nível vendem parcelado assim?
Muitas. Tem lojas vendendo em seis, cinco, três parcelas.

 

 

Essa nova geração de consumidores tem muito apreço por marcas e produtos de luxo bem conhecidos, como o relógio Rolex e o carro esporte Ferrari. E, ao contrário do consumidor europeu, não tem vergonha de admitir isso.
Você trouxe dois pontos importantes aí. As marcas que são ícones e sempre foram chanceladas terão prioridade na escolha desse novo consumidor. Para ele, a coroa da Rolex faz sentido, a estrela da Montblanc faz sentido, o vermelho da Ferrari faz sentido... Tudo aquilo que evocar uma relevância terá prioridade em sua vida. Mas isso traz um ônus. Nem todos os consumidores estão chegando bem informados. Para o conhecedor de relógio, a Roger Dubuis é uma marca inacreditável. Muitos brasileiros nunca ouviram falar. Na Europa, você tem os anúncios da marca em outdoors, nas revistas, as próprias lojas... Para que a Roger Dubuis entre no Brasil e ganhe força de consumo, é preciso um tempo enorme para educar o consumidor brasileiro até que ele tome a decisão de compra pelo relógio Roger Dubuis. Então, o que eu digo para as marcas é: não confundam o fato de ter um nome de muito prestígio e conhecimento internacional, pois não necessariamente isso é sinônimo de sucesso no Brasil. O mercado brasileiro é feito de particularidades e peculiaridades e as marcas vão ter de aprender isso ao longo do tempo.

 

 

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Loja da Emporio Armani: operações estão abrindo mão de parceiros para abrir lojas próprias no país

 

 

E mesmo dizendo isso, muitas empresas ainda estão dispostas a fazer o investimento?
Sim, pois vai fazer diferença quem está aqui ou não. É preciso estar aqui para atingir esse consumidor. Eu digo sempre a eles: não esperem o melhor momento. Comecem agora. Quem conseguir educar esse consumidor brasileiro novo no segmento de luxo vai colher resultados diferenciados. Estamos vivendo uma ebulição social brasileira, que está acima da econômica. Eu faço até uma brincadeira dizendo que nós, brasileiros, aprendemos a consumir, e a gente está gostando bastante disso.

 

 

Além do impulso de compra, qual é a diferença entre o consumo de luxo no Brasil e lá fora?
As marcas lá fora lidam muito com o dinheiro que transita, vendendo produtos para todas as nacionalidades. Então, na loja, você é apenas mais um consumidor comprando na moeda local. No Brasil nós lidamos com 100% de cliente local. O japonês não compra no Brasil, o chinês não compra, o russo não compra aqui. Foi assim durante muitos anos. Então nós tivemos que aprender tudo sobre esse consumidor local. Nós aprendemos, inclusive, a entreter esse consumidor. Em nenhum lugar do mundo você faz jantar, apresenta quadros, faz festa, tudo na loja. E por quê? Para entreter. Durante anos, a base de clientes do mercado de luxo não se renovou no Brasil, você tinha que lidar com o mesmo cliente e portanto tinha de criar maneiras para continuar atraindo esse consumidor.

 

 

Tem um ponto importante que pesa para o consumidor brasileiro: a maneira como ele se relaciona com algumas lojas. Ele gosta de comprar onde conhece a atendente, tem uma gerente amiga e se sente bem tratado e não intimidado, como pode acontecer lá fora.
Se você me perguntar, eu acho que é exatamente nesse ponto que faremos a diferença nesse setor. O Brasil será uma escola de serviços. Com todo respeito, a Suíça é a escola mundial de hotelaria. Não será mais. O Brasil será essa escola, tudo o que estiver relacionado a serviço de luxo ganhará espaço no Brasil. As marcas internacionais terão espaço no Brasil? Claro que sim. Mas tudo o que estiver relacionado a gastronomia, hotelaria, centros de beleza, spas, qualquer atividade diretamente ligada à prestação de serviços, nós seremos fundamentais. Essa equação brasileira de “transfusão de humanização”, de paixão, de carinho, de emoção que o brasileiro consegue colocar no que faz é nosso forte. Com gente tecnicamente treinada, o Brasil será o berço mundial desses serviços. É só olhar para as operações nacionais, como Fasano, Unique, Ponta dos Ganchos e tantas outras, que apresentam um desempenho muito superior a de outras cadeias do mesmo nível.

 

 

O que vai acontecer com o Brasil quando todas essas marcas decidirem se instalar aqui? Vai ter espaço para todo mundo?
Há alguns meses eu participei de uma conferência voltada a executivos do Grupo Richemont, que inclui Mont Blanc. Eu fiz um comentário que vou repetir aqui: “Se todos vocês, se todas as marcas do grupo Richmond decidirem ir para o Brasil agora, vocês não vão ter espaço”. Não é que não tem espaço consumidor. Não tem espaço físico. O Nordeste não está preparado para receber essas operações. No Rio, o Shopping Leblon está em fase de revisão e o Fashion Mall, de renovação. E quando se vem para São Paulo, o Shopping Iguatemi está lotado, não tem mais espaço pelos próximos dois anos. O Cidade Jardim também está lotado, só vai ter uma expansão daqui a um bom tempo. Então hoje se alguém quiser entrar não terá espaço. Nós não somos um país de lojas de departamentos, em que as empresas montamum espaço (um corner) e só depois de testarem o mercado é que decidem abrir seu ponto. Nós somos um país de shopping centers e os shopping trabalham com lojas – totalmente diferente. A Daslu que podia ser essa opção sofreu um revés enorme. Quem decidir entrar vai levar um ano, um ano e meio para negociar espaço nos shopping centers.

 

 

Ou seja, a hora é agora.
A hora é agora. 

 

FONTE: ÉPOCA NEGÓCIOS

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