Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

 

 

Quem nunca soube de um colega que desistiu da moda, que se desiludiu e que tentou e resistiu o quanto pôde, mas, que não consegui segurar a barra e que, mudou de emprego, foi para outro setor, ocupando um cargo de mesmo nível, mas não no mundo da moda? Salários maiores? Sim. Finais de semana, férias, vale refeição digno, seguro, custeio de pesquisas, respeito no cotidiano no trabalho? Sim. Outros campos de atuação? Infelizmente, sim.

 Até quando isso vai acontecer? Até quando não valorizaremos os nossos profissionais? Até quando essa 'viver de glamour' e 'quebrado' vai fazer parte do universo da moda? 


Profissionalizar o mundo da moda significa, entre outras coisas, tratar as pessoas profissionalmente. Isto é, com dignidade, com respeito. E isso começa do início: estagiários. Eles precisam ser respeitados, necessitam ser remunerados, ter um bom ambiente de trabalho, isto é, um local regido pela vontade de partilhar e ensinar para eles o trabalho que vieram aprender ou ajudar a construir. Eles não são só mão de obra barata, eles são mão de obra em potencial, por isso, devem ser tratados como qualquer outro trabalhador: com respeito e dignidade. Trazem ideias frescas e possuem pontos de vista ainda em formação. Trabalho remunerado e respeito as leis trabalhistas é o básico para não formarmos um profissional que depois continue a reproduzir esse modelo.

Outro ponto ruim: a não valorização dos trabalhos de artesanias (domínio de técnicas manuais) e técnicos. Reclama-se da falta de costureiras, modelistas, lapidadores, cuteleiros, etc. Mas, infelizmente, temos que admitir, as empresas diferenciadas desse setor, aquelas que lutam bravamente para respeitar as leis trabalhistas, que criam ambientes saudáveis de trabalho, elas concorrem com as que agem contra o nosso setor em nosso próprio país. 'Por que serei costureira em uma fábrica se ganho mais costurando em casa?' Primeiro de tudo, temos que repensar quanto pagamos aos nossos funcionários. Inflacionar no mercado? Não. Remunerar pelo que o trabalho daquele profissional realmente vale. Além disso, para esse tipo de profissional, muitas vezes, não fica claro que, por exemplo, a longo prazo, ter direito trabalhista significa, ganhar 13º salário, férias remuneradas (e na qual o trabalhador efetivamente não deve trabalhar, deve descansar), jornada de trabalho estipulada, hora-extra, aposentadoria, etc. O Brasil viveu tempo demais em uma economia corrosiva, que nos tornou imediatistas como método de sobrevivência. Mudar essa cultura é responsabilidade de todos os setores envolvidos.

O Brasil viveu tempo demais em uma economia corrosiva, que nos tornou imediatistas como método de sobrevivência. Mudar essa cultura é responsabilidade de todos os setores envolvidos.

 

O ambiente da moda é competitivo por natureza, literalmente a moda aflorou com o sistema capitalista, portanto, esse lado 'selvagem' faz parte dela. No Brasil temos que levar mais um dado em consideração: a herança escravocrata. Ela se reflete em nosso cotidiano ainda hoje: somos rígidos com hierarquia, sobretudo, se estamos no topo da pirâmide. Isso inibe por demais conseguirmos instalar modelos alternativos de empresas, por exemplo, dentro da lógica da Economia Criativa, que pressupõem relações mais horizontais. Tudo isso para dizer que mesmo com essa herança horrível, nada justifica assédio moral. E isso é algo constante em todos os níveis da moda. O assédio moral (momento diva, falta de respeito, degradação pública, tratamentos inapropriados etc.) corrói a empresa de dentro para fora. Não traz nada, absolutamente nada para ninguém, nem mesmo para quem o pratica.

As recentes denúncias contra algumas marcas (Le Lis Blanc, grupo GEP, Zara, dentre outras) nos faz pensar: até quando a moda viverá alienada de seus próprios vícios? De qual maneira nos livraremos dessa perniciosidade e deixaremos líderes e criadores que jogam limpo florescerem?

A grande maioria dos brasileiros é honesta (ou tenta ser a duras penas). É trabalhador que paga contas em dia, que corre para conseguir dar o melhor possível a si próprio e a sua família. No entanto, esse mesmo brasileiro é massacrado diariamente, e a indústria da moda também está nesse universo. A lógica vem mudando, percebemos isso a cada dia, há diversas empresas que conhecemos nas quais já notamos uma postura cada vez mais ética, inovadora e correta frente aos seus funcionários. Muitas delas percebem que é nele que mora a grande parte da força do seu elo na cadeia de moda. Porém, somos realistas, e sabemos que essa não é a realidade geral, os recentes e recorrentes casos de trabalho escravo, nos faz lembrar que o cenário ainda é poluído por reclamações sem fim, que não são construtivas (pois não buscam soluções), por justificativas odiosas e infundadas para solapar o trabalhador (seja de qual nível for - só para constar, minha colega é uma executiva) dentro do universo da moda. Tudo isso age contra nós. Contra o nosso país. Contra a dignidade dos que são a nossa maior força de riqueza.

Temos uma criatividade sem fim, temos um repertório artístico-cultural fabuloso, possuímos potencial natural de escala monumental para o desenvolvimento de novos materiais, possuímos tecnologias de reciclagem de primeiro mundo, mas, tudo isso, sem pessoas realizadas profissionalmente e respeitadas, será perdido. Sim, será perdido para quem puder comprar e instalar modelos mais viáveis, para quem puder pagar e levar cérebros, para quem tiver dinheiro para pagar pelas nossas riquezas mais caras: as pessoas.

Enfim, tudo isso para compartilhar com você não sobre um grande profissional que mudou de área, um estagiário desistindo de seu sonho, um lapidador ou uma costureira ou um sapateiro mudando de emprego e de área, mas sim para acordarmos e tomarmos consciência que a responsabilidade para mudar esse cenário é de cada um de nós, todos, sem exceção, sem desculpas.

Patricia Sant’Anna e André Ribeiro de Barros


Tendere - Pesquisa de Tendências e Consultoria em Moda, Beleza e Design

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