Para Kenneth Corrêa, investimentos públicos em inteligência artificial não bastam sem estruturas sólidas de supervisão, cibersegurança e confiança.
O investimento público em inteligência artificial vem crescendo no Brasil. Até 2028, o governo federal pretende aplicar R$ 1,76 bilhão em projetos de IA para modernizar serviços públicos. A iniciativa, no entanto, não vem acompanhada, na mesma velocidade, de garantias de segurança e governança digital. “Digitalização sem governança é como um carro autônomo sem freios”, alerta Kenneth Corrêa, professor da FGV e especialista em inovação e IA.
Segundo Corrêa, ainda há uma assimetria entre instituições públicas no que diz respeito à maturidade digital. Órgãos como o Banco Central e o TSE estão entre os mais avançados no uso de IA com padrões de segurança, mas outras áreas da administração pública ainda operam com baixos níveis de integração, protocolos frágeis e estruturas pouco preparadas para lidar com ameaças cibernéticas.
“O maior desafio do setor público hoje é construir uma nuvem soberana, com padrões de segurança robustos, para proteger dados sensíveis dos cidadãos. Há esforços promissores, como o da Serpro com a plataforma Datacloud e o trabalho do ITI com certificação digital, mas falta articulação entre os projetos”, afirma.
Casos recentes de deepfakes e golpes envolvendo inteligência artificial generativa chamaram atenção de autoridades e empresas no país. Em um dos episódios relatados por Corrêa, uma empresa de energia sofreu prejuízo de R$ 3 milhões após um CFO ser enganado por uma videoconferência falsa com um “CEO” gerado por IA. “A voz, o rosto e os gestos eram praticamente idênticos”, diz.
Para o professor, há não apenas uma imaturidade técnica no enfrentamento dessas ameaças, mas também um vácuo regulatório. “Hoje, os detectores de deepfake ainda são falhos. A melhor defesa está em protocolos rígidos de verificação e em treinamento contínuo das equipes para reconhecer situações suspeitas, mesmo quando parecem legítimas.”
Na Europa, o AI Act busca estabelecer um marco regulatório para classificar riscos e exigir responsabilidades. No Brasil, segundo Corrêa, as empresas ainda esperam por diretrizes externas, quando poderiam adotar frameworks internos desde já. “Organizações que documentam e auditam seus algoritmos ganham vantagem. A governança precisa sair do papel e se tornar prática cotidiana”, afirma.
Corrêa destaca quatro pilares indispensáveis para adoção segura de inteligência artificial: transparência algorítmica, supervisão humana, gestão de vieses e responsabilidade clara. Ele cita exemplos como o Itaú, que criou comitês de ética para avaliação de algoritmos, e o Hospital Albert Einstein, que usa IA para triagem médica com validação de especialistas humanos.
No setor público, o BNDES desenvolveu um sistema de certificados de responsabilidade algorítmica. “Isso mostra que há iniciativas concretas, mas ainda isoladas”, avalia.
Embora muitas empresas estejam acelerando projetos de IA, a proteção digital nem sempre acompanha o ritmo. Corrêa aponta que apenas 27% das organizações no mundo se consideram preparadas para um ciberataque grave. No Brasil, o cenário é ainda mais frágil.
“O setor de saúde é um exemplo claro. Hospitais investem em tecnologias avançadas para diagnósticos, mas operam com redes desatualizadas. Ataques já chegaram a paralisar unidades inteiras”, afirma.
Segundo ele, a segurança ainda é vista como custo, e não como parte da estratégia. “Enquanto inovação é associada a crescimento, proteção é tratada como despesa. Precisamos mudar essa mentalidade”, diz.
Para Corrêa, a confiança digital será o principal ativo das organizações na próxima década. Ele propõe que essa confiança seja mensurada com métricas objetivas, como tempo de permanência em plataformas, propensão ao compartilhamento de dados e taxas de conversão após incidentes.
“O impacto de uma falha de segurança não é abstrato. Conseguimos medir a perda de confiança em número de clientes que migram para concorrentes ou deixam de usar serviços”, explica.
Ele cita o portal gov.br como exemplo de avanço público nesse campo. “A confiança ali se reflete na complexidade das transações que os cidadãos estão dispostos a fazer, de simples consultas até movimentações financeiras.”
Apesar de iniciativas como a Estratégia Nacional de Cibersegurança e o trabalho do Comitê Gestor da Internet, Corrêa afirma que a execução ainda enfrenta gargalos. “Há investimento em tecnologia, mas faltam profissionais capacitados. E a fragmentação entre órgãos impede resposta coordenada a ataques”, diz.
Com déficit estimado em mais de 500 mil profissionais na área, o país precisa acelerar a formação de talentos e criar mecanismos de cooperação entre esferas da administração. “Um incidente grave em um estado deveria servir de alerta nacional, mas o aprendizado raramente se dissemina.”
Bem-vindo a
Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI
© 2025 Criado por Textile Industry.
Ativado por
Você precisa ser um membro de Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI para adicionar comentários!
Entrar em Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI