Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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A CASA DO VINICIUS

 

               Já se vão rolando os anos, correnteza abaixo no rio da vida quando a

North Hollywood vivia em seus dias de gloria.

               O apogeu Hollywoodiano foi nas décadas dos 30’s e dos 40’s. Nesse tempo, as ruas da Meca do cinema americano fervilhavam em movimento continuo, a as suas espaçosas calçadas estavam sempre povoadas por uma multidão sofisticada, boemia, desfilando vagarosamente em frente de amplas vitrines de suas muitas butiques e das estreitas portas enfumaçadas de seus famosos “clubes  noturnos e inferninhos.

               Esta foi a Hollywood do bilionário produtor cinematográfico Howard Robard Hughes, do ator Clark Gable, da nossa saudosa Carmen Miranda, e a do querido Vinícius de Moraes, que além de poeta e escritor foi também um reconhecido  filósofo, dramaturgo e  compositor...

             Em seu livro Para “Para Uma Menina Com Uma Flor” ha uma crônica intitulada “Meu Deus Não Seja Já”, capturando um ângulo diferente da Hollywood dos anos ’40.

             Nesta crônica o poeta-escritor expressa o seu isolamento vivendo em uma ilha de saudades, cercada de vozes, risos e sinais de néon, sentindo a falta do sol tropical e do nosso Rio de Janeiro.

             Em Dezembro de 1946, St. Andrews Plane era uma rua ampla, arborizada, calma, porem estrategicamente localizada a poucos quarteirões dos movimentados Santa. Mônica e do Sunset Bulevares e da boêmia Vine Street, o triangulo da badalação da Hollywood de então.

               Ali, naquela área, num duplex recém-construído, cercado de grama verde e rosas amarelas, vivia o Vinicius num chalezinho simples, baixo e quase modesto; Nele, o poeta escreveu varia crônicas e poesias, enquanto a Carminha Miranda estrelava em sua indumentária de salada de frutas e o bigodinho de Clark Gable era religiosamente imitado pela rapaziada americana.

               Esta casinha foi e é minha velha conhecida desde 1970 quando pela primeira vez li “Para Uma Menina Com Uma Flor”.

               Nessa época era acadêmico de engenharia em Ouro Preto e verdade seja

dita: nunca dei lá grandes bolas para os números.

               Em Ouro Preto, seguindo a velha tradição da Escola de Minas, o meu tempo era mais dedicado à literatura, temporadas de estudo das artes nos Festivais de

Inverno e continuas peregrinações noturnas pelo Restaurante Tóffolo, Calabouço, a ex-Churrascaria Marilia e o Restaurante Pilão e os famosos botecos, hoje defuntos, do Irineu, Chicão e do Professor, onde o Vinícius era bem conhecido; nestas instituições boêmias ele ocasionalmente se abria mais com os estudantes, uma vez livre dos caçadores de autógrafos e paparazzi, vezes varando as frias madrugadas das Alterosas em calorosas discussões e animadas serestas.

    Numa destas famosas peregrinações, melhor dito, num destas ocasiões de preparação de noitada, dei-me com o Vinicius no Restaurante Pilão.

               Ele estava sentado numa mesa de janela, de frente para o monumento do

Tiradentes, saboreando o seu Uísque e eu lendo um O Pasquim, já de idade avançada, e embromando mesa com uma caipira proletária na base de cachaça tropeira.

    Sem muitas frescuras - o Vinícius detestava esta de “Meu Senhor”, “Cavalheiro“ e “Sua Senhora Mãe”- me convidei para sua mesa e fui aceito.

               Nesta tarde no Pilão quase lhe perguntei sobre a casinha em Los Angeles no St. Andrew Plane, mas estando o Vinícius em uma daquelas suas viagens  de introspecção existencialista, fiquei na retranca, evitando ser inconveniente.

               Nosso dialogo foi parco: limitei-me a responder que era de Vitória, acadêmico de engenharia na Escola de Minas e que morava na famosa - ou infame para uns piegas - Republica Pureza.

            Terminada a caipira fui paquerar umas turistas na Praça Tiradentes e pouco depois vi o Vinícius lentamente saindo do Pilão, rumo ao Pouso do Chico Rei, da saudosa Canadense Jerry (que também era dona do Calabouço), que tanto cuidava dele e dos seus demais hospedes. Alias, em minha ultima visita a PUREZA, fui ao Calabouço e fui informado de que a Jerry ainda e viva, Ainda Vive em Ouro Preto, e esta puxando os seus noventa e poucos...

 

Mas retornando ao passado, anos depois, vivendo em Los Angeles, folheando de novo “Para Uma Menina Com uma Flor”, relendo a crônica “Meu Deus não Seja Já”,  a tal

casinha tão decantada pelo poeta voltou a batucar no meu cérebro-pandeiro. Anotei o endereço da casa e parti rumo ao passado, pois ainda que estivesse vivo na época o Vinicius já era patrimônio histórico nacional e em Califórnia uma década é antiguidade.

               O St. Andrews Plane está na área antiga de Hollywood; é um labirinto. quebrado em vários segmentos e intercalado por nomes diferentes. Foi duro achar o chalezinho, mas com a ajuda do carteiro local, cheguei ao número 635.

     Na época Vinícius já tinha saído de lá há mais de 30 anos porem a casinha estava bem conservada. Um entranho sentido de déjà vu me levou a crer que a propriedade  já  me era conhecida e por um momento fiquei a filosofar sobre a chalé do Vinicius e depois desci do carro e comecei as tirar umas fotos.

                O dono da casa na ocasião era um velhinho Polonês, aposentado e muito caprichoso, sobrevivente e refugiado de guetos e dos campos de concentração da II Guerra Mundial e que na América e naquela casinha havia encontrado a sua paz.

                Ele se aproximou de mim curioso, e eu lhe expliquei sobre envolvimento literário da casa dele com a literatura Brasileira, com o Vinícius e ele me bombardeou com perguntas sobre o diplomata e escritor que ali tinha escrito belas crônicas e poesias.

               Finalmente ele posicionou o Vinicius usando como referenciais dois pontos de seu conhecimento: a música “Garota de Ipanema” e a peça “Orfeu Negro”.

                O velhinho disse gostar de poesias, lhe dei o meu livro “Para Uma Menina Com Uma Flor” e mesmo desconhecendo o português ele ficou muito feliz e agradecido.

             Havia na frente da casa uma velha roseira, bem aparada, de tronco grosso, e o velhinho disse que ela já estava no jardim, quando ele comprou a casa no inicio dos anos ‘60s. Conjeturei que esta roseira bem que poderia ter sido plantada pelo Vinícius ou ter pelo ou pelo menos ter sido contemporânea dele. Amei a velha roseira e até hoje, mais de três décadas após conhecê-la, tenho uma fixação pela tal roseira - carregada de rosinhas delicadas e amarelas -, quase que semelhante a do “Pequeno Príncipe” do Antoine Saint-de-Éxupéry, pela sua roseira de for vermelha.

     O tempo, a Guerra do Vietnam e as pressões sociais, já se faziam presentes nas

redondezas.

               O aconchegante chalé já estava sendo cercado por casas maltratadas, e vizinhança estava em franca decadência, com jardins maltratado, carros abandonados e de crianças sujas brincando de bandido e mocinho: os anos transformavam uma bela área residencial em um protótipo de urbanização decadente e espero que o velhinho Polonês tenha podido a fugir deste seu segundo encontro com o gueto a tempo.

               A antiga vizinhança do Vinício murchou junto com Holywood.

               O velhinho parecendo compreender a minha expressão triste, segurando o livro do Vinícius em ambas as mãos levantou os olhos da grama e me disse:

               “Isto aqui já foi um local muito bom”; e, quase que se desculpando, com um sorriso cansado, completou: “É... Tudo passa”.

               Minha mente voou para a vibrante Hollywood das décadas dos “30’s, 40’s e 50’s. Pensei na Carminha Miranda vendendo ao mundo a sua imagem de turbante de fruteiras e o jovem Vinícius, com uma cabeça cheia de cabelos e sonhos, ainda na diplomacia brasileira, mas já criando o protótipo de suas musas pelo mundo afora.

             Lembro-me da Escola de Minas, da Califórnia, da tarde no Pilão com o Vinicius e de sua ausência triste e inoportuna.

               Também, em exílio auto imposto, (agora reemigrado para a Carolina do Sul) e com a ação erosiva do tempo, vou gradualmente buscando pela lembrança do passado vivido, sentindo cada vez mais a falta dos amigos perdidos e desaparecidos, vou cuidadosamente me alienando de certos tipos de “artes boemias”; sofro também com alguns modernismos que alienam o homem, os quais, com a idade e o bom senso já os  vejo como “involuções culturais”:  sofro com o abandono histórico, com a alienação do ser humano e com o continuo ilhamento  cultural. Aparentemente “viajamos” pelo mundo inteiro, via internet, na solidão de nossos estúdios.

               Comento tudo isto com humildade, tristeza e medo de ficar quadrado ou alienado; e, lembro-me ainda, que naquele dia nostálgico, senti – e ainda sinto hoje- a falta do Vinícius e também do Tom, da Leila Diniz e quando no Rio, busco a cada esquina a Garota de Ipanema.

               Parafraseando o Caetano, de “régua e do compasso” ainda a busco, ponderando: onde andara (ela) “nesta tarde vazia, tão calma e sem fim? Enquanto o mar bate azul em Ipanema”, estará ela envelhecendo graciosamente?

               Enfim, a busca a casa do Vinicius, a busca a um sentido da vida, vista em respectiva, deram um maior peso e dimensão mais ampla as simples palavras do velhinho Polonês, a mim ditas ha a mais de trinta anos atrás:

                “É... Tudo passa”. E não é que tudo passa mesmo?

 

 

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