As insuficiências da infraestrutura brasileira são antigas. Rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos, vias urbanas, energia, em toda parte a demanda está à frente da oferta. Pode parecer que se trata de uma corrida própria de país que cresce, se moderniza, se globaliza. Enfim, uma assincronia que seria justificável. É, e não é.
Sem dúvida, o Brasil de hoje é diferente daquele de 30 anos atrás, por exemplo, mas, nesse tempo todo, o passo, em matéria de renovação de infraestrutura, foi mais para o arrastado do que para acelerado. Investiu-se pouco mais de 2% do PIB por ano - "uma fração do que fazem alguns de nossos concorrentes diretos no mercado internacional e alguns países da América Latina (onde essa taxa está na faixa de 4% a 8% do PIB), e abaixo do mínimo necessário para repor a depreciação do capital fixo per capita no setor (estimado em 3% do PIB)". É o que se lê no livro organizado por Armando Castelar Pinheiro e Claudio Roberto Frischtak, abrangente levantamento analítico das carências brasileiras em transportes, particularmente relevante dentre todas as carências de infraestrutura. Aí, a antiguidade da irresolução espelha-se no anacronismo de um sistema concentrado no transporte rodoviário.
O livro traz uma coletânea de artigos, escritos por especialistas que examinam questões essenciais para se compreender onde e por que esse setor-chave da economia não dá conta do que o país precisa. A crítica se completa com propostas de políticas que permitam superar os obstáculos acumulados na história desse ramo frondoso da árvore brasileira de descaso para com o futuro - que de outra coisa não se trata, dadas as evidentes correlações e causalidades entre qualidade de infraestrutura e horizontes econômicos de longo prazo.
Nesse segmento fundamental da logística que consubstancia a competitividade do país - feita de parâmetros definidores da altura da presença brasileira no cenário global que também compõem, em articulações sensíveis, referências de desempenho doméstico da economia - os mesmos 30 anos se passaram não apenas sem avanços no investimento, mas com sua involução: no período, reduziu-se de forma contínua os investimentos em infraestrutura de transportes. Em 1975, foi investido algo em torno de 1,85% do PIB, chegando-se em 2003, "ano em que atingimos o fundo do poço", como diz o prefaciador Paulo Fernando Fleury, a ínfimo 0,10% do PIB. Segundo o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, seriam necessários investimentos, nas "melhores estimativas", da ordem de R$ 1 trilhão para se alcançar, por exemplo, os padrões americanos de infraestrutura de transporte.
Resultam ineficiências que se transmitem para a economia no seu todo. "A falta de investimento transformou a infraestrutura [em geral] em uma importante restrição ao crescimento, reduzindo a produtividade e o investimento privado, e é um fator que se subtrai da competitividade brasileira no comércio internacional e na atração de investimentos", escrevem Pinheiro e Frischtak. "A péssima qualidade da infraestrutura e certo descaso com que vem sendo tratada contrastam com a ampla disponibilidade de recursos com que conta o setor público, como bem caracterizado pela alta de cerca de 10% do PIB na carga tributária bruta entre meados da última década do século passado e a primeira deste", acrescentam. "Bastaria um quinto desses recursos para dobrar o investimento em infraestrutura. Isso deixa claro que é a falta de prioridade, gestão e estratégia, e não a carência de recursos, que faz o estado da infraestrutura se encontrar na situação atual."
O governo "parece estar começando a convergir para esse diagnóstico", com um "plano de ação" que prevê "avançar mais decididamente com a privatização". Contudo, o faz com iniciativas que, embora "sejam meritórias isoladamente, pouco contribuem para alargar horizontes e reduzir riscos". Então, "não se deve descartar a possibilidade de que, a despeito de avanços pontuais, o investimento em infraestrutura permaneça baixo". Primeiro motivo (há outros) para isso é que "o setor público vai continuar dominando algumas das principais áreas de infraestrutura, mas se mostra incapaz de realizar os investimentos que esses setores necessitam".
Burocracia, má gestão e corrupção juntam-se para explicar boa parte do travamento do investimento público, lê-se no livro. Olhada nos múltiplos e conexos espaços que domina, essa tríade de influências - que compõem de modo saliente a face do pior dos anacronismos brasileiros - persiste, há muito mais de 30 anos, como um escudo contra tentativas de superação do atraso que tiraniza a vida pública do país, e responde por outra carência: a de caracterização político-institucional de um Estado que seja, enfim, o lugar de convergência e complementaridade de interesses públicos e privados legítimos. É uma constatação intuitiva, que também se recolhe na leitura do livro, para adiante de oportunas considerações técnico-econômicas.
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