* escrito por Rinaldo Maciel de Freitas
Tornou-se consenso no mercado internacional que os processos de liberalização pautem-se pela eliminação gradativa de barreiras tarifárias. No momento atual, as considerações sobre barreiras não tarifárias, assim consideradas, as barreiras técnicas que dificultam o livre trânsito de produtos, ganham cada vez mais importância nas análises sobre o comércio exterior.
Barreiras Técnicas, conforme estipulado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) são regulamentos não transparentes embasados em normas internas não aceitas internacionalmente, ou ainda, decorrentes da adoção de procedimentos de avaliação da conformidade não transparentes e demasiadamente dispendiosos, bem como de inspeções excessivamente rigorosas.
Essas normas podem estabelecer requisitos de qualidade, de desempenho, de segurança, mas, além disto, podem estabelecer procedimentos padrões estranhos aos modelos internacionalmente aceitos. Por vezes os procedimentos de avaliação da conformidade, em particular a certificação, são compulsórios e estabelecidos pelo governo para comercialização de determinado produto ou serviço.
No Brasil, as normas são de uso voluntário, isto é, não são obrigatórias por lei, na medida em que editadas por associação civil, portanto, pode-se fornecer ou importar um determinado produto ou serviço que não siga a norma aplicável no mercado determinado:
Administrativo. Importação de mercadoria. Controle Aduaneiro. Conformidade com Norma Técnica Internacional. No caso dos autos, para os cabos de aço importados há norma internacional, qual seja a ISO 2408/2004. Estando o produto adequado a normatização internacional, não pode a autoridade aduaneira inquinar o produto como inadequado ao consumo, ou pretender a imputação de má-fé de qualquer espécie. A venda posterior do produto deve indicar a parametrização em que se encaixa (norma ABNT ou certificação ISO), o que, no entanto, é matéria alheia ao procedimento aduaneiro (TRF4ª – Tribunal Regional Federal da Quarta Região – Apelação Cível – Processo nº AC 200770080014868 – Quarta Turma – Relatora – Des. Marga Inge Barth Tessler – 01/04/2009).
Normas Internacionais são regulamentos estabelecidos por organismo internacional de normalização para aplicação em âmbito mundial. Existem diversos organismos internacionais de normalização, como a ISO – International Organization for Standardization, a IEC – International Electrotechnical Commission e a ITU – International Telecommunications Union. Todas estas normas internacionais reconhecidas pela OMC como a base para o comércio internacional, e o seu atendimento significa contar com as melhores condições para ultrapassar eventuais barreiras técnicas.
O Acordo de Barreiras Técnicas ao Comércio da OMC (TBT – Technical Barriers to Trade) estabelece uma série de princípios com o objetivo de eliminar entraves desnecessários ao comércio, em particular as barreiras técnicas, que são aquelas relacionadas com normas técnicas, regulamentos técnicos e procedimentos de avaliação da conformidade que podem dificultar o acesso de produtos aos mercados.
Ponto essencial do acordo é o entendimento de que as normas internacionais, assim entendido, aquelas elaboradas pelos organismos internacionais de normalização devem constituir referência para o comércio internacional. O acordo recomenda que estas normas sejam usadas como referência para os regulamentos técnicos e que também sejam adotadas como normas nacionais.
O Código de Defesa do Consumidor brasileiro, lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 determina que os produtos colocados no mercado brasileiro não poderão colocar em risco a saúde ou segurança do consumidor:
Art. 8° - Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.
Parágrafo único - Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere este artigo, através de impressos apropriados que devam acompanhar o produto.
Por outro lado, fornecer um produto implica em fornecer informações necessárias a seu respeito, independente da norma com que foi produzido, demonstrando que o produto atende às necessidades do cliente.
O uso da normalização como barreira técnica fica particularmente demonstrado, quando sua aplicação caracterize retenção inexplicável de produto que esteja amparado em normas internacionais reconhecidas:
Mandado de Segurança. Importação. Cabos de aço. Liberação de mercadoria. Autoridade Coatora. Fiscalização. Reclassificação. Segurança. Qualidade. Código do Consumidor. Certificação Técnica. Normas Nacionais e Internacionais. NBR. ISO. Inmetro. ABNT. (...) 3. Não se mantém a exigência nova da autoridade, retendo a mercadoria até a obtenção de laudo técnico para certificar qualificação por norma expedida pela ABNT, entidade privada para atender o mercado nacional de consumo. Para a autoridade coatora, a regra da ABTN NBR teria validade incontestada, mesmo que ainda em 'evolução' para adequar-se aos padrões internacionais. A certificação ISO 2048, trazida por cópia nos autos, especifica os requisitos mínimos para fabricação e teste de cabos e fios para uso geral. 4. A previsão do art. 39, VIII, do CDC não confronta com as regras da Lei 9.933/99. Com efeito, a normatização técnica da ABNT, no caso de produtos destinados ao consumo, trata-se de norma supletiva, exigível em casos que não foi produzida norma técnicaestatal sobre certo tema. 5. A matéria residual trazida pelo Sindicato Nacional das Indústrias de Trefilarão e Laminação de Metais - SICETEL, entidade patronal sem fins lucrativos, manifesta inconformidade relativa à regulação do mercado interno de aço, mostrando-se estranha ao fundo de direito desta ação mandamental, direcionada exclusivamente à exigência da autoridade coatora em liberar a mercadoria importada, sendo, pois, descabida a sua intervenção no feito. 6. Apelação provida. Concedida a segurança (TRF4ª – Tribunal Regional Federal da Quarta Região – Apelação em Mandado de Segurança – MAS nº 200670080003556 – Terceira Turma – Relator: Des. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – 28/08/2007).
Neste ponto, o Código de Defesa do Consumidor, aprovado pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, longe de impingir uma barreira técnica à entrada de produto no mercado, determina que na ausência de norma competente, o produto deverá obedecer a normas expedidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas:
Art. 39 - É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);
O que, de longe não se traduz em autorização para o estabelecimento de barreira técnica no mercado.
* Rinaldo Maciel de Freitas é bacharel em Filosofia pelo Instituto Agostiniano de Filosofia – membro da Sociedade Brasileira de Filosofia Analítica. Bacharel em Direito pela FADOM – Faculdades Integradas do Oeste de Minas – membro da Associação Paulista de Estudos Tributários – APET. Pós-Graduando em Direito Público. Formação Extra Curricular: Ética/UEMG – Arbitragem/UFMG – Psicologia Jurídica/UEMG – Classificação Fiscal de Produtos/Aduaneiras.
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