Anteontem, tive a privilegio de observar a opinião de dois amigos: Um, ateísta, acreditava que o homem devia agir corretamente por isso era ético, e pronto. Mas ou menos se recusava ter de uma crença na bondade divina e também não culpava o velho guerreiro Diabo como responsável pela maldade no mundo. Se assim cresse, direta ou indiretamente, a culpa do mal de reverteria ao criador do Maldoso.
Já o amigo religioso, de vida modificada para bem melhor, por meio de sua fe no Rabino (Mestre) Jesus, o via como a salvação da humanidade, e ponto final. As guampas estavam entrelaçadas firmemente, e não se moveram em suas respectivas visões.
Sem querer entrar no mérito das duas opiniões paradoxais, e respeitando ambas, gostaria de dar um “pitaco”, não sobre a discussão entre eles, mas sobre a minha visão de meu céuzinho. Visão juvenil, boba e caipira, mas a minha visão:
CÉU CAIPIRA
Dizem haver vários tipos de céus:
De Cristão, com anjos e harpas e Serafim,
De Judeu, Talmude, Toras e nenhum Salim,
De Muçulmano, Alcorão, mesquitas e nada de Sefaradim.
Enfim,
Céu de Índio, Budista, Capitalista, Fetichista,
Ateísta, Comunista, de Sambista e Vigarista,
Mas,
Pudesse eu decidir, meu céu seria tropical,
Simples e bem caipira como o meu céu já vivido em
Ferias de menino e agora já longe, e quase
Perdido na garoa de passado distante,
Certamente
Era um céu matuto, com montões de bananeiras,
Com riachinho lerdo e dengoso a sussurrar suave
Amor e besteiras entre bambuzais e capoeiras.
Neste céu,
De sonolento vilarejo, uma dúzia de ruelas e
Com boteco sertanejo, de madeira furadinha,
Ventilada e cheia de cupim; era bolicho estocado, de
Caboclos, Lusos, ex-escravos Imigrantes e Negros,
Com pingas, brevidades, bijus e bolinhos de aipim,
Sim, meu céu Seria Caipira,
Com matas, passarinhos e muitas mangueiras,
De manga rosa, manga espada, peito-de-moca,
manguita e manga-do-conde e também araçás e
Goiabeiras de goiaba branca e vermelha e mais
Jaqueiras, de jacas moles e duras, muitas caramboleiras,
Laranjeiras com carnaval besta e gafieira e na boa
Tradição interiorana também um doido local, o Seu Moreira.
E lá haveria,
Atento em sua bicicleta um policial da vila, policiador
Das domesticas e chegado ao jogo-do-bicho, amigo da fauna
Pesquisador de capoeiras de revolver velho e cassetete duro, uma
Figura quixotesca, mas serviçal, bom amigo do decoro, com
Sorriso franco e brilhante - cheio dentes de ouro.
Seu domínio,
A esquecida cadeia sempre cheia de teias de aranha,
Construída com manha a mando do Frei Ortiz,
Para penitenciar as ressacas de Seu Nonô e sua
Compulsão infeliz de arriar suas calcas e casaca na Igreja Matriz.
Cadeia amiga, cadeia “só p’ra Inglês ver”:
A bunda preta -e bem conhecida- de Seu Nonô.
Mas, não podendo deixar de ser,
Meu Céu Caipira teria bom farmacêutico, receitando
Abluções anais,, supositórios, óleo de rícino e laxativos,
Biotômico Fontoura, Óleo de Fígado de Bacalhau,
Pílulas de Ross e para uma boa manutenção de casal
Estrato de Barbatimão e Garrafada de Catuaba.
Teria também que ter,
Uma envelhecida Ponte Preta e u’a Maria Fumaça,
Dormitando sofregamente em companhia do velho Agente.
E mais também,
Uma Estrada, quase uma picada de barro vermelho,
Livre de carros e bordejada de mato e recapada com
Merda de vaca; diacho de eternidade feliz acompanhado
De primos, pescando traíras, bagres, carás-pebas e lambaris,
Piabinhas e piabas - Açu e enfiando mãos nas locas a buscar
Lagostins e garrafa de cana resfriando em plácidos remansos
Sombreados e com fieis vira-latas, bosteando nas matas,
Fuçando as capoeiras e tocas em busca de pacas.
No fim das tardes,
Já meio Cananeu, baixo o sol vermelhão e macho que devagar
Escondia-se atrás do Monte Seco, parecendo paquerar as
Viçosas coxilhas da terra - e a turma já subindo de barreira acima,
Com fieiras de peixes a admirar as reflexões da garrafa
Vadia, flutuando rio abaixo para o tudo-nada, como se fosse
A buscar o Meu Velho, os finados tios Henrique, Joaquim e Corintho,
e mais
Vô Silvino e Vό Marquinha e os afobados primos Paulinho e
Adilson, malandros sacanas que deram rasteira na velhice.
E novamente unidos,
Pela vida e pela morte e o tudo-nada, a preparar mesas de
Banquete eterno, bailando baixos bandos de periquitos, sabiás,
Caga-sebos, tizius, siricoras e frangos d’água e flutuando em
Correntes térmicas, ascendendo a referencias não postuladas, e
Depois a rapaziada faria uma romaria até Congregação dos Cananeus,
Ouvindo a pregação apócrifa de Baco e nirvanizados por inúmeras saideiras,
Entre papos de rameiras e futebol no etéreo Boteco de Seu Zé de Mello;
E vem a cuspida derradeira p’ro santo cana-nizado
E com os cabos entre as pernas, rabos cheio de aperitivos e estômagos a rugir
Com apetite voraz, pronto a devorar o feijão tropeiro,
Arroz carreteiro e couve Mineira fritada na banha de porco,
Um bom naco de carne de sol frita, com rodelas de cebolinha
E depois Vό Mariquinha a pedido da garotada fritaria um ovo
Na gordurinha, reforçando o jantar com uma farofa caseira.
Ah, céu sem azia,
De dias quentes e sol,
Nada de depressão, ansiedades e veias entupidas,
Céu do Eldorado, despreocupado, de jogo de porrinha,
Céu sem julgamentos,
Paraíso das meninas entendidas e
Sem colesterol, ataques de coração, ou de apoplexia.
Mais tarde,
Viria o Sacrossanto lava-pés de bica,
E um amor a ser encontrado fica imerso
Em atmosfera noturna e mística entre cânticos Gregorianos
De sapos-boi, grilos e cigarras perdulárias, salpicados de vaga-lumes,
Balançando na rede ao lume de lamparinas venero telhas enfumaçadas,
O pão preto, linguiça enrolada em varal flutuando sobre fogão de lenha
Com bule esmaltado e caldeirões de ferro fundido e
Defumando o café requentado,
Ouviríamos a Negra Dorothea ferrada com um “C” do Corisco,
Na testa a contar as estórias do Saci-Pererê, da Mula Sem Cabeça, do
Caipora, de Lobisomens, bugres e dos amores de Capitão Lampião a da
Dona Maria Bonita e lendas do Norte antes de dormir ao crepitar
Das brasas do fogão e a parca luz do Lampião Aladim, leria
Castro Alves, Zé de Alencar ou o Guimarães, saboreando um quindim.
E da janela,
Sempre aberta convidando a noite enfeitada e morena, pensaria,
Na mágica das estrelas e pessoas cadentes, veneraria constelações,
Discerniria a simetria do Cruzeiro do Sul ouvindo um caboclo sanfoneiro
Tirando acordes tristes e dolentes lá p’ros lados da casa do paiol,
Em ninar precursor da passagem apocalíptica e cacofona
Do Tinhoso,
Do Trem Noturno, praga de Ferro e Fogo matador de Céus Bucólicos,
Nos amedrontando com apitos distantes e tristes –
Para depois sacolejar a vila com trovoes, ribombos, troar de vagões:
Um vulto Negro, fedendo a
Enxofre, raptando em quadrados iluminados uma humanidade, que
Sonolenta some entre cidades mortas, pontes negras e estações
Dormitantes com Marias-Fumaças cochilantes
Visão dantesca
De tremores, assombros e berros de crianças assustadas nos parapeitos de janelas humildes, chuvas de fagulhas, guinchos de roda de aço atritando
Trilhos, cacarejar de galinhas assustadas e uivos da cachorrada local
Exorcizando o Capeta da Noite para fora da Vila, o qual algumas vezes
Desaparece em trilhos, outras em trilhas de sonhos ou voltando disfarçado de Pesadelos.
Mas nesta vila ideal,
O Noturno só causa tensão poética, uma tormenta controlada em trilhos
Onde o pesado ar de enxofre da defunta Rede Ferroviária Federal se dissipa,
E as derradeiras revoantes fagulhas se tornam efêmeros pirilampos e se
Transformam em galáxias distantes - e a sua fumaça transmuta
Em nebulosas cósmicas,
E chega a amada Rede Matuta Sideral, num trem azul de sonhos que
Paternalmente nos sacoleja mansamente, como um ninar de um Morfeu
Luso-Acaboclado, viril, peixeira na cintura, cantador de Congos e de
Bumba-Meu-Boi, germicida celestial, fumigador de germes tecnicologicos que
Paulatinamente nos destrói; e esta figura heróica Greco-Tupinambá, com a
Ajuda da Africana Iemanjá, quebra cadeias eternas de Espaço-Energia-Tempo e
Assino a minha carta eterna de alforria, onde, em dialética do boteco de
Seu Zé de Mello, “se caga-e-anda” p’ro Principio da Entropia, e p’ra
Teoria da Relatividade e a dos Buracos Negros e vence a universalidade da Teoria matuta local, A dos Buracos Rosas ,
Comprovada até mesmo na Negra Dorothea.
Quebrada feitiçaria moderna, sou embalado em aspirais que giram
E rolam, rolam e giram, crescendo em aspirais infinitas de dias tranquilos,
E em meu Céu Caipira, oásis no deserto da física abstrata e da
Metafísica e astronomia, me liberto dos arreios intocáveis da Velocidade da luz;
E livre de Pastores de Circo, Padres de Televisão,
De anúncios de remédios e de Propaganda Eleitoral,
Me liberto em referencias simplísticos onde a realidade
Universal e atingível com a mão: Trabalho árduo, boi no pasto, pasto verde.
Cana velha e cabrocha nova, muito barbatimão e abundancia de catuaba.
E, maviado pelo Céu Caipira, ouço
Anjos do Aleijadinho cantando: “Eita trem bão” - e Arcanjos de argila
Do Sertão Brabo, lá pras bandas de Petrolina completam: “diacho de
Céu Caipira” e eu me liberto, esvoaçando entre jacupemas, siricoras e
Arapongas, seguindo o rastro de rostos vivos e relembrados Sou Um,
Diluido na realidade de uma fé ingênua e simplística, na Verdade de uma
Emancipação descomplicada, para finalmente me amalgamar em palavras
Simples, na semântica libertadora de meu Céu Caipira, um céu de
De vida ideal e abundante, um círculo eterno sem gravata, e sem terno,
E liberto de gente neurótica e aflita num céu tão simples e liberal,
Onde até o Seu Moreira, nosso venerável doido local,
Encontra um momento de paz inaudita,
Comendo em sua marmita, uma farofa saborosa e nutritiva
De bundas de tanajuras fritas...
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