Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Fonte:|estadao.com.br|

Um resumo dessa louca história, dos estilistas paleolíticos até Gaultier


A ausência de uma bibliografia crítica sobre a evolução da moda no mundo deixou aberto um campo enorme para o francês François Boucher, autor de História do Vestuário no Ocidente, que ganha agora no Brasil
uma luxuosa edição de quase 500 páginas e mais de 1 mil ilustrações.
Antes dele, alguns poucos se aventuraram a pesquisar como se desenvolveu
o traje no Ocidente, mas nenhum foi tão longe. Impressiona o fôlego de
Boucher, criador da Union Française des Arts du Costume. Da pré-história
ao fim do século 20, ele e seus auxiliares - o principal sendo a
historiadora de moda Yvonne Deslandres - exploram o que teria levado
caçadores do paleolítico e agricultores do neolítico a curtir peles e
costurá-las com nervos de animais, abrindo caminho para estilistas do
futuro.


Curiosamente, Boucher afirma que os povos caçadores do paleolítico mais se enfeitavam do que se vestiam. Claro que o francês usou toda a sorte de registros (pinturas, esculturas, etc.), e não roupas, para
chegar a essa conclusão, mas as imagens selecionadas por ele - como um
afresco da caverna de Cogul conservado no Museu Arqueológico de Madri -
provam que a mulher pré-histórica já usava saias e adereços. Âmbar, e
não o diamante, era o melhor amigo das garotas primitivas. Vários
adereços nessa resina fóssil hoje usada como gema foram encontrados em
túmulos da Idade da Pedra, o que dá aos criadores dos Flintstones algum
crédito em matéria de reconstituição histórica.

Desde o começo dessa odisseia, portanto, a roupa teve uma função não só de proteger o homem contra as intempéries como de seduzir ou inspirar medo no semelhante. Boucher conta como o vestuário corresponde e
correspondeu, no passado, a um desejo de representação. Com a roupa
pode-se ser animal, deus ou herói, lembra o ensaísta, relacionando o
declínio dos impérios à expansão da moda trazida por seus
conquistadores. Boucher cita como primeiro exemplo os sumérios, que
andavam descalços e usavam roupas feitas de pele de cabra até que a
Babilônia de Hamurabi ditasse a moda das roupas volumosas e
ornamentadas.

Críticos de moda já existiam naquela época, mas esta é uma informação que Boucher toma emprestado da Bíblia para dizer que Elohim atirou peles aos pelados Adão e Eva, mas logo em seguida deu aos mesmos a
capacidade de julgar seus modelitos e os de seus descendentes. Cristo,
lembra o historiador, "fala dos penduricalhos espalhafatosos dos
fariseus" e nem mesmo os vaidosos egípcios conseguiram resistir à
sedução dos tecidos importados, provavelmente por algum comentário
maldoso do estrangeiro sobre a indústria têxtil do faraó, que só usava o
linho - leve, fresco, fácil de limpar. E foram esses mesmos tecelões
estrangeiros que invadiram o mercado egípcio com tecidos plissados e
frisados, mas não tão práticos. Enfim, moda exige um certo sacrifício.

Até os gregos fizeram concessões ao mundo dos bárbaros e assimilaram o olhar fashion dos invasores do centro asiático nas regiões litorâneas. O quíton masculino era apenas uma túnica retangular masculina feita de
linho (e depois de lã) até que a evolução geral das colônias afetasse
finalmente a Grécia continental. Os sacerdotes, vestidos com um
quitonzinho básico, começaram a se perguntar se os deuses da Ásia Menor
eram, afinal, maiores que os deles para usar todas aquelas roupas
luxuosas. Foram os atores de teatro, no entanto, que deram o troco,
dividindo o palco entre felizes e infelizes. Os primeiros usavam cores
vivas e os últimos - isto é, os pessimistas e fugitivos - túnicas em tom
cinza. Os reis e as rainhas das tragédias, então, vestiam túnicas com
mangas até os pés, tendo as mulheres o direito de ostentar uma bela
cauda em suas roupas ornamentadas.

A moda fica mais divertida quando Boucher chega aos romanos. Ele descobriu um mosaico, numa "villa" da siciliana Piazza Amerini, em que duas sirigaitas desfilam de tanga e sutiã sem o menor pudor - isso três
séculos antes de Cristo. A imagem é hilariante como os anúncios de
bronzeadores que infestam a TV. Boucher fala também dos
protometrossexuais, garotos que passavam a manhã inteira se perfumando,
pintando os olhos e frisando os cabelos com ferro quente para imitar o
imperador Adriano. Este, para restaurar a virilidade da turma, acabou
relançando a moda da barba.

De bons e maus exemplos, a história da moda está cheia. Ao contar como as Cruzadas descobriram as civilizações orientais impregnadas de luxo e ostentação, Boucher examina os traços deixados pelo requinte
asiático e mostra que os cavaleiros resistiam ao demônio, mas não ao
toque da seda, sendo capazes de renunciar a hábitos ancestrais pelas
sírias e sarracenas que encontravam pelo caminho. Conclusão: até mesmo
os pobres camponeses que se vestiam de calções, jaquetas grosseiras e
perneiras de tecido, ao ver como voltavam os nobres peregrinos da Terra
Santa, fizeram tudo para entrar na moda. Segundo Boucher, as Cruzadas
ajudaram a atenuar as diferenças sociais. Feiras com produtos têxteis
estrangeiros funcionaram a todo vapor. O movimento dos sem-roupa fez a
festa.

Já no século 14, segundo Boucher, a grande novidade foi o abandono do traje longo e folgado para os homens. No século 15, os exemplos vão do corte de cabelo de Joana D"Arc - à escudela, descobrindo a nuca e as
orelhas, considerado ridículo no processo contra a santa - às roupas
sofisticadas do casal Arnolfini, retratado pelo pintor flamengo Jan Van
Eyck em 1434. O comerciante usa uma huque de veludo forrada de pele
sobre um gibão preto com punhos bordados a ouro e um chapéu de feltro
tosado. A mulher não deixa por menos: seu vestido de lã guarnecido com
arminho serve para mostrar que os burgueses de Bruges podiam prosperar e
se vestir como qualquer aristocrata. A Europa caminhava sem saber para a
democratização da moda.

No século 16, o continente enriquece com Colombo e Vasco da Gama, que estabeleceu a rota marítima das Índias, abrindo caminho para o algodão egípcio, a seda persa e os tecidos estampados indianos. Boucher arrisca
dizer que a indústria têxtil foi a mais importante desse século no
volume e variedade de produtos. A transformação política e o
desenvolvimento das cidades fez surgir a figura do fidalgo, que
desfilava em festas mitológicas e ostentava seu luxo em torneios e
bailes. A Florença renascentista passa a ditar o modelo de corpo
perfeito e Paris começa a abrir ateliês, até que a crise de 1557/59 leva
à bancarrota milhares de prósperos consumidores de moda. Aristocratas
arruinados são obrigados a se vestir como burgueses e o nível dos
artesãos vai por água abaixo. A história se repetiria séculos depois com
a Revolução Francesa. De lá para cá, Boucher apressa o passo e dá
apenas rápidas pinceladas dos séculos 17 ao 20, até mesmo porque essa já
é uma história mais conhecida e contada de outra forma, inclusive por
sua colaboradora Yvonne Deslandres em seu livro Histoire de la Mode au
XXe Siècle.



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