Alguém já disse: torture os números e eles confessarão qualquer coisa. De fato, as estatísticas são, hoje em dia, as grandes aliadas dos mistificadores, que as utilizam de forma indiscriminada para dar aparência científica às falácias e mentiras em prol de suas causas. Você pode desenvolver rígida argumentação lógica a respeito de um assunto sem convencer muita gente, mas basta acrescentar alguns números, tabelas e gráficos para respaldá-la e as pessoas passam a olhar os seus argumentos com outros olhos.
Um exemplo gritante disso apareceu na “Folha de S.Paulo”, de 9 de março. Nesse dia, uma matéria naquele diário informava – sob o título “Participação da indústria no PIB recua aos anos JK” – que “a participação da indústria no PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro recuou aos níveis de 1956, quando a indústria respondeu por 13,8% do PIB. De lá para cá, a indústria se diversificou, mas seu peso relativo diminuiu. O auge da contribuição da indústria para a geração de riquezas no país ocorreu em 1985: 27,2% do PIB. Desde então, tem caído.”
Malgrado o título bombástico, até aqui a matéria é meramente informativa e apenas noticia um fato que as estatísticas a respeito desvendam. Seu uso oportunista só fica claro a partir do ponto em que se começa a apontar eventuais causas para um suposto problema. Assim, depois da introdução, entra em cena o senhor Paulo Skaf, que vem a ser o presidente da Fiesp. Eis o que diz o valente: “Temos energia cara, spreads bancários dos maiores do mundo, câmbio valorizado, custo tributário enorme e uma importação maciça. A queda da indústria no PIB é a prova do processo de desindustrialização.”
Exceto pelo exagero de afirmar que há no Brasil – um dos países mais protecionistas do mundo – volumes de importação maciços, quase tudo o que ele diz, fora a conclusão, é a mais pura verdade. O problema é que temos ali várias verdades sendo ditas com o propósito de retirar delas conclusões absolutamente falsas.
Primeiro, a maioria dos entraves listados por Skaf, além de outros tantos integrantes daquilo que se convencionou chamar de Custo Brasil, não prejudicam somente a indústria, mas todos os setores da economia. Segundo, se a queda da participação relativa do setor manufatureiro no PIB é prova da famigerada desindustrialização, então o que temos hoje é uma desindustrialização mundial.
De acordo com dados compilados pelas Nações Unidas, a queda da participação do setor de manufaturas no PIB é um fenômeno global, a exemplo do que já ocorrera anteriormente com a agricultura. Assim, de 1970 a 2010 esta queda foi de 24,5% para 13,5% no Brasil, de 22% para 13% nos EUA, de 19% para 10,5% no Canadá, de 31,5% para 18,7% na Alemanha e de 27% para 16% no mundo inteiro. A causa dessa queda generalizada não está, evidentemente, numa suposta desindustrialização, mas no aumento da participação de outros setores, antes irrisórios, como serviços em geral, comércio, finanças, saúde, educação, ciência e tecnologia etc. A verdade é que a produção total da indústria no mundo, se não está no seu pico, está muito perto dele. Já a produção industrial brasileira é certamente muito maior hoje, em termos absolutos, do que era em 1985, ano em que, segundo a matéria, o setor manufatureiro alcançou a sua maior participação relativa no PIB.
Desindustrialização e Doença Holandesa são duas expressões caras aos lobbistas da indústria local. Uma rápida pesquisa com essas palavras no Google mostra diversos estudos e trabalhos “científicos” a respeito, repletos de gráficos e tabelas, a maioria deles patrocinada por entidades como Fiesp, CNI e congêneres. Esse é também um importante nicho do pensamento nacionalista e intervencionista, utilizado amiúde para defender interesses, vantagens e privilégios diversos junto ao governo. Os pleitos desse pessoal não costumam variar muito. Seus alvos prioritários são as ditas políticas industriais (geralmente baseadas em subsídios e isenções fiscais) e protecionistas, leia-se: controles cambiais e barreiras alfandegárias/tarifárias.
O argumento aparente é quase sempre a criação e manutenção de empregos domésticos, mas a real intenção é a transferência de renda de consumidores para produtores ineficientes. Para que a estratégia seja 100% eficaz, a manipulação da opinião pública e o consequente respaldo político são essenciais, é claro.
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O sr Ricardo Rossi, rebate o artigo com propriedade! As grandes potencias tem capacidade para vender tecnologias. Nós só importamos! O PIB das grandes potencias é formado por tecnologia, enquanto o nosso, que cresceu no terceiro setor, deve seu crescimento exatamente como descrito pelo Rossi: serviços ruins e caros. Sem industrias, não vamos contratar engenheiros, médicos, etc.
Artigo muito bem escrito, mas assim como o que o mesmo defende, utiliza os números a seu próprio favor. É verdade que o Custo Brasil prejudica a todos os setores e não apenas a indústria. Também é verdade que ninguém vai importar um cabelereiro, médico ou posto de serviços. Quando estes são ineficientes ou caros somos obrigados a utilizar da mesma forma. Porém o produto industrial não sofre desta "proteção". É substituido por um importado, muitas vezes de um país que não compete concosco em condições de igualdade. Talvez ainda haja industriais que pensam apenas em lobby e não em suas ineficiências. Mas não é a realidade atual. Talvez fosse nos anos 60 e 70 do século passado. As "Bangus" da vida, que sobreviviam apenas em mercado fechado. Velhos tempos da SUDENE. Hoje este empresário praticamente desapareceu. Aqueles que possuem algum ranço em relação ao setor industrial talvez digam que buscamos privilégios. Mas buscamos igualdade de condições, isonomia. Países mais desenvolvidos e que agora estão se desidustrializando, construiram suas riquezas sobre o setor industrial. Nós queremos pular etapas e isto não vai funcionar. Os EUA, citado no artigo, está desesparadamente tentando voltar sua indústria. E nós damos incentivo a importação por meio de estados que não querem ter o trabalho de buscarem o verdadeiro desenvolvimento. É mais fácil transformar o seu porto em um caça níqueis.
NAS VEZES QUE, COMENTEI SOBRE A INDUSTRIA BRASILEIRA,FALEI DO DISTANCIAMENTO TECNOLÓGICO, CAPACIDADE LOGISTICA E CARGA TRIBUTÁRIA PARA COMPETIR COM AS MAIORES POTENCIAS INDUSTRIAIS EM PRODUTIVIDADE, VELOCIDADE DE ESCOAMENTO E PREÇO PARA O CONSUMIDOR.
NOSSA DESINDUSTRIALIZAÇÃO DECORRE DE ANOS SEGUIDOS DE ZERO INVESTIMENTO NOS TOPICOS ACIMA E NENHUMA ADEQUAÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA A GLOBALIZAÇÃO.
SOMOS O 6º PIB, NÃO PORQUE CRESCEMOS. MAS SIM, PORQUE ALGUMAS ECONOMIAS QUE ESTAVAM A NOSSA FRENTE, ENCOLHERAM.
PARA ALGUNS OS NUMEROS ATRAPALHAM O RACIOCINIO!
MUITO BOM ARTIGO!!
PARABÉNS.
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