O que começou como uma sigla começa a ganhar corpo no mundo real – da política e dos negócios. A reunião de cúpula dos BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – em Durban, na África do Sul, a quinta do bloco, teve atrasos e muita desorganização. Tanto que a presidenta Dilma Rousseff chegou a desistir de um encontro bilateral com o presidente sul-africano, Jacob Zuma, depois de esperar por uma hora e meia. Mas o acrônimo criado em 2001 pelo economista Jim O’Neill, do banco de investimento Goldman Sachs, conseguiu se firmar como uma alternativa do mundo emergente diante da crise que atinge a Europa e os Estados Unidos.
Os dois acordos assinados em Durban, criando um banco de investimento e um fundo de reservas, mostram a disposição de blindar o grupo contra uma eventual piora na economia dos países ricos. “Frente ao quadro mais conturbado do sistema financeiro, temos de estreitar laços e criar mecanismos de apoio e sustentação mútuos”, disse a presidenta Dilma Rousseff na quarta-feira 27, o segundo dos dois dias de reuniões. Embora não tenham coesão política, ou mesmo econômica, os cinco países formam um grupo de peso com um poder de incomodar as tradicionais potências globais. Juntos, possuem uma população de 2,9 bilhões de pessoas, ou 42% do total, e responderam por 21% do PIB mundial no ano passado, com uma produção de US$ 15 trilhões.
Além disso, o comércio entre os BRICS alcançou US$ 282 bilhões em 2012, dez vezes mais do que o volume negociado em 2002. Até 2015, o comércio dentro do bloco deve superar os US$ 500 bilhões. Toda essa relevância econômica, no entanto, ainda não tinha sido colocada em prática. Daí a importância da cúpula sul-africana, que, embora não tenha saído com instituições prontas, entra para a história como o momento em que se decidiu criar um banco de desenvolvimento do grupo. O formato ainda está em negociação, mas a intenção é criar um instrumento para apoiar a atuação de empresas dos BRICS em projetos de infraestrutura em outros países – como já faz o Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que financia, por exemplo, obras de engenharia de empresas brasileiras em outros mercados.
União reforçada: Manmohan Singh, da Índia; Xi Jinping, da China; Jacob Zuma, da África do Sul;
Dilma Rousseff e Vladimir Putin, da Rússia
O banco pode também conciliar os vários interesses, dando uma destinação para as reservas de US$ 3,3 trilhões da China para países como Brasil e África do Sul, que têm grande demanda por investimentos em infraestrutura. De acordo com o presidente sul-africano, Jacob Zuma, as cinco nações têm em conjunto uma necessidade de US$ 4,5 trilhões em investimentos nos próximos cinco anos. O grupo diverge, no entanto, sobre a forma de atuação da instituição. Na declaração no encerramento do evento, o mandatário sul-africano sugeriu que o banco de desenvolvimento deve se voltar às necessidades dos países-membros. O Brasil pensa diferente.
Nas palavras da presidenta Dilma, o banco “se abre para parcerias também com países em desenvolvimento”, sobretudo na África. A declaração de Zuma jogou uma ducha de água fria nos outros vizinhos do continente, que esperavam receber investimentos de seus pares emergentes. Resta saber ainda como o banco será capitalizado, se apenas pelos membros, como foi ventilado em Durban, ou se de outra forma. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), por exemplo, só empresta dinheiro aos países do hemisfério americano, mas tem entre seus financiadores governos europeus e asiáticos.
China, Brasil, Rússia, Índia e África do Sul fecham acordo para criar
o banco dos Brics, bloco que já responde por 21% do PIB global
“Sem receber dinheiro de fora, o banco dos BRICS pode ter um capital menor que o imaginado”, afirma John Kirton, do grupo de pesquisa de BRICS da Universidade de Toronto, no Canadá. Para Lawrence Brainard, economista-chefe da consultoria Trusted Sources, o banco só daria certo se a China assumisse a liderança da instituição, controlando-a política e financeiramente. “Mas os chineses estão relutantes”, afirma. Os BRICS saem de Durban também com um mecanismo de proteção contra a crise: um fundo de reservas contingenciais de US$ 100 bilhões, que vai funcionar como uma salvaguarda dos países contra uma futura crise de liquidez, como a que ocorreu em 2008 depois da quebra do Lehman Brothers.
Swap de moedas: os ministros Guido Mantega e Lou Jiwei, da China, assinam acordo
de US$ 30 bilhões que permite o uso de moeda local no comércio bilateral
Os detalhes serão definidos somente na próxima reunião de ministros da Fazenda do bloco, que será realizada durante a cúpula do G20, em setembro, em São Petersburgo, na Rússia. A proposta apresentada na cúpula previa a dominância da China, com 41% das reservas. Brasil, Rússia e Índia teriam 18% cada um e a África do Sul os restantes 5%. Mais que uma nova linha de defesa contra crises econômicas, o colchão de reservas é também uma declaração política do grupo. “Demonstra mais segurança dos BRICS no cenário internacional e de alguma forma pressiona também para a reforma do FMI”, diz o cientista político Paulo Esteves, pesquisador do Brics Policy Center, uma iniciativa conjunta da PUC-Rio e da Prefeitura do Rio.
O Brasil também aproveitou a cúpula para estreitar sua relação com a China, seu maior parceiro comercial, com trocas de US$ 75,5 bilhões no ano passado. Os países assinaram um termo de swap de moedas de US$ 30 bilhões, que permite a utilização de moeda local no comércio bilateral em caso de problemas de baixa liquidez no mercado de dólar. “É um mecanismo para ser aplicado em caso de agravamento do cenário financeiro global”, ressaltou o ministro da Fazenda, Guido Mantega. O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, ressaltou que o valor representa dez meses de exportações do Brasil para a China e oito meses de importações brasileiras.
E que o mecanismo não afeta as reservas internacionais do Brasil, hoje em US$ 377 bilhões. “O objetivo é facilitar o comércio entre os dois países, independentemente da situação econômica internacional”, disse Tombini. O diretor de relações internacionais e comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Roberto Gianetti da Fonseca, avalia que o resultado da reunião mostra que o grupo está ganhando força. “Estamos saindo do abstrato para o concreto”, afirma. É possível que o grupo não venha a se tornar um bloco econômico como a União Europeia ou o Mercosul, mas é inegável que eles já têm poder suficiente para não depender das tradicionais potências mundiais.
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