À HORA - E AOS PASSAROS
O Mizael é um Capixaba atípico, de poucas palavras. Ele não se abriu ao Atlântico, mas com ele parece flertar, sempre para ele a olhar, entre um concerto e outro de relógios.
A sua profissão esta a morte. São tempos difíceis para relojoeiros honestos, que não tocam em relógios falsificados e descartáveis. Para profissionais como o Mizael sobra menos espaço para sobreviver lidando com os relógiosantigos.
E é fácil explicar: Quem tem um Rolex ou Breitling novo, não precisa dele. Esses poucos clientes procuram o revendedor e buscam as suas garantias de fabrica.
Os relógios de movimento automáticos mais velhos já estão desaparecendo. Tornaram-se raros os Midos, Eternamatics, Lancos, Mondaine, Classics, Tissots, Omegas e Cymas etc. Os que ainda os carregam nos pulsos é uma classe de velhos aposentados - ou saudosistas colecionadores como eu, que sempre esta a espreita de um relógio de movimento automático de outras eras.
Eu conheci o Mizael quando procurava consertar uma pulseira de um Tissot - automático, é claro. Depois comprei um Seiko de vinte e um Rubis e a ultima vez que o vi no Edifício Ouro Verde no pacato Centro de Vitoria, levava a ele um Gruen de 25 Rubis para ser limpo e regulado. O Mizael olhou o movimento do relógio, sorriu vagarosamente e disse: “Esse e bom”.
A porta gradeada de sua oficina no décimo quinto andar anda sempre aberta. Como sempre, acompanhando o Mizael estavam os seus dois fieis passarinhos, que se acasalavam num arbusto plantado num vaso.
Na janela que dava para o mar, sempre aberta, havia uma redinha. A porta de grades de sua oficina entreaberta criava uma suave corrente de ar vinda da janela que sempre corre pelo seu local de trabalho.
Enquanto Mizael trabalhava no meu Gruen, falávamos dos velhos tempos de maquinas antigas, algumas defuntas e de alguma peça mais rara que apareceu por aqui e por ali.
Ele me disse que na Relojoaria Moscon havia um lindo Mido de face sextavada que tinha sido de um desembargador. Ele estava à venda. Porque o vendiam? A gente nunca pergunta. Compra-se o relógio, com suas alegrias, tristezas, seus dias áureos e a morte ou declínio de seu dono. É um pacote fechado em saudades no qual vem sempre algo do fantasma do ex-dono. Acabei depois comprando esse lindo Mido Sextavado, e claro, sem perguntar por sua “provenance”.
Voltando ao amigo Mizael lhe perguntei por que persistia nesse tipo de negocio artesanal que esta morrendo: ele riu, encolheu os ombros e disse: “Alguém tem que cuidar de nossos relógios”.
Ao me despedir do Mizael ele abriu a porta de grade e eu lhe alertei: “Cuidado com os passarinhos.” Mizael riu e disse em seu capixabas pausado disse: “Não saem daqui não. Estão tão presos à oficina como eu.”
Voltei aos EUA com o meu Gruen consertado.
Mas não vejo a hora de revisitar a minha mãe, numa Vitoria dormitante, onde o centro morre e as classes media e alta fogem para “pombais”na beira da praia.
Minha mãe, com seus oitenta e nove anos, de lá não sai: “Aqui tenho minhas amigas, minhas classes de teclado, de computador e hidroginástica. Tudo aqui esta pertinho”, diz ela sempre.
Dessa vez tirei muitas fotos: Da mãe, de suas velhas amigas, do “Birdman”(Homem - dos – Pássaros) Mizael, de sua oficina arcana e alegrada pelo trinado dos pássaros - e do que resta da Vitoria antiga.
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