A OIT e a reforma trabalhista
Provocados por uma denúncia da CUT, um comitê de técnicos nomeados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), sem poder deliberativo, apresentou duas críticas à reforma trabalhista do Brasil no Report of the Committee of Experts on the Application of Conventions and Recommendations, 2018.
1. O Comitê entendeu que a prevalência do negociado sobre o legislado, consagrada pela Lei 13.467/2017, é contrária ao objetivo de promover negociações coletivas livres e voluntárias, constante da Convenção 98 da OIT. Essa crítica demonstra um total desconhecimento da realidade brasileira. A nova lei reafirmou como inegociáveis 30 direitos garantidos pela Constituição e abriu a possibilidade de se negociar livremente 15 direitos, determinando que o negociado seja respeitado pela Justiça do Trabalho. Trata-se, portanto, de uma inegável valorização da negociação coletiva, como querem a citada Convenção e o artigo 7.º, XXVI da Constituição Federal do Brasil.
2. Outra crítica foi que o Brasil violou as Convenções 98 (de novo) e 154, que teriam por princípio admitir a negociação coletiva tão somente para estabelecer condições mais favoráveis do que as leis. Neste ponto, não há equívoco, e sim um erro de leitura, porque nenhum dos artigos daquelas Convenções estabelece a exigência aludida. Mesmo porque a expressão “mais favoráveis” é de entendimento vago e subjetivo, pois os trabalhadores podem preferir, por exemplo, trocar o pagamento da hora in itinere por um aumento de salário (o que, aliás, tem sido feito no Brasil, de forma legal, e com o respaldo até mesmo do Supremo Tribunal Federal).
Enfim, os técnicos daquele Comitê não perceberam o importante passo que o Brasil deu para o fortalecimento da negociação coletiva, ao instalar um regime que contempla empregados e empregadores com proteção e liberdade. Ou seja, eles continuam com a proteção da Constituição e da CLT e ganharam a liberdade de negociar, a seu próprio juízo, 15 direitos antes inegociáveis. Por exemplo, os que quiserem podem negociar um horário de refeições de 30 ou 40 minutos – diferentemente do que estabelece a CLT (60 minutos), enquanto permanecem, para os que não quiserem, os 60 minutos garantidos por lei. É a proteção com liberdade.
Nesse sentido, a reforma trabalhista do Brasil se assemelha à da França, realizada em 2016-17: naquele país, a lei continua fixando em 35 horas a jornada semanal. Mas, se as partes quiserem trabalhar 40 ou 42 horas, basta negociarem o valor da hora extra; se não quiserem, continuará valendo a jornada de 35 horas.
É preciso esclarecer que o referido Report expressa tão somente a opinião pessoal dos técnicos que o assinam e não a da Organização Internacional do Trabalho e nem mesmo a da Comissão de Aplicação de Normas da OIT, órgão, este sim, dotado de poderes para deliberar e levar propostas ao Plenário da Conferência Internacional do Trabalho. Acreditamos que esta comissão, por seus conhecimentos e imparcialidade, terá o devido cuidado e evitará incorrer no erro de mal interpretar a reforma trabalhista do Brasil. Mesmo porque, como todo organismo internacional, a OIT está obrigada a respeitar a soberania dos Estados-membros e os seus diplomas legais, sempre que cunhados democraticamente, tal como ocorreu com a Lei 13.467/2017, discutida em dezenas de audiências tripartites, aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, e sancionada pelo presidente da República, nos termos da Constituição Federal.
(*) José Pastore e Dagoberto L. Godoy são, respectivamente: Professor da Universidade de São Paulo e Advogado, foi representante do Brasil na Organização Internacional do Trabalho.
Fonte: O Estado de São Paulo, por José Pastore e Dagoberto L. Godoy (*), 22.02.2018
O Supremo Tribunal Federal (STF) já recebeu 18 ações diretas de inconstitucionalidade contra a reforma trabalhista. Do total de processos, 13 pedem a volta da obrigatoriedade do imposto sindical. As mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) entraram em vigor em novembro passado.
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