Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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O impacto do preço de transferência e do valor aduaneiro nas operações de importação

O impacto do preço de transferência e do valor aduaneiro nas operações de importação

reproduzido pelo Boletim Informativo Interface

Muito se questiona nas importações realizadas por empresas do mesmo grupo econômico – normalmente multinacionais – que comercializam mercadorias entre si e se deparam com o conflito dos institutos da valoração aduaneira, aplicável às importações, e o preço de transferência, aplicável às operações tributárias.

Há conflito entre os mencionados institutos por consequência da aplicação de um mesmo princípio, o chamado “arm’s length”. Buscamos, neste artigo, esclarecer os procedimentos a serem adotados pelas empresas importadoras, que comercializam mercadorias com empresas vinculadas, de forma a assegurar a programação de suas operações aduaneiras e tributárias sem que haja surpresas por parte da fiscalização.

O ponto de convergência entre ambos os institutos é a operação de venda de mercadorias entre pessoas vinculadas. Em linhas gerais, as normas e regras para a Valoração Aduaneira e para o Preço de Transferência conceituam como vinculadas aquelas pessoas interligadas e que possuam representatividade entre si através de participação societária, como, por exemplo, comércio de mercadorias realizado entre matriz, filial, controlada ou coligada.

Para alcançarmos o entendimento acerca do escopo almejado nesse texto, é necessário que abordemos tais institutos de forma individual para ao final apresentarmos o conflito e nossas recomendações.

1. Valoração Aduaneira

Internalizado pelo Decreto nº 1.355/04, o Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, simplesmente denominado Acordo de Valoração Aduaneira, trouxe as regras e procedimentos no controle de valoração aduaneira do Tratado Internacional à legislação pátria.

Em síntese, valoração aduaneira é o processo pelo qual é exercido o controle sobre o valor aduaneiro de mercadorias importadas de forma a assegurar que não ocorra a manipulação voluntária das partes sobre os valores aplicados na venda de mercadorias, uma vez que, na importação, se trata da base de cálculo dos tributos. Tamanho controle é necessário para evitar subfaturamento e redução da carga tributária na entrada de mercadorias estrangeiras no território aduaneiro.

Vejamos a definição dada por Antônio Carlos Rodrigues Amaral:

“pode-se definir o controle do valor aduaneiro das importações e exportações como um procedimento administrativo de controle, integrante do procedimento de despacho aduaneiro e destinado à verificação, não só da realidade dos valores aduaneiros declarados por importadores e exportadores, mas de sua conformidade com as regras de valoração aduaneira estabelecidas pela legislação aduaneira e por Tratados Internacionais.”

É competência da Receita Federal do Brasil, durante o procedimento de despacho aduaneiro de mercadorias importadas, verificar o valor aduaneiro das mercadorias com base no Acordo de Valoração que o país é signatário.

É garantia trazida pelo Acordo de Valoração Aduaneira que o preço efetivamente pago ou à pagar, segundo o 1º método, é aquele que reflete a veracidade da operação entre importador e exportador, ainda que entre partes vinculadas.

Vejamos o seguinte:

“… (b) no caso de venda entre pessoas vinculadas, o valor de transação será aceito e as mercadorias serão valoradas segundo as disposições do parágrafo 1, sempre que o importador demonstrar que tal valor se aproxima muito de um dos seguintes, vigentes ao mesmo tempo ou aproximadamente ao mesmo tempo:

(i) o valor de transação em vendas a compradores não vinculados de mercadorias idênticas ou similares, destinadas a exportação para o mesmo país de importação;

(ii) O valor aduaneiro de mercadorias idênticas ou similares, tal como determinado com base nas disposições do Artigo 5;

(iii) o valor aduaneiro de mercadorias idênticas ou similares, tal como determinado com base nas disposições do Artigo 6;”

Desta forma, resta evidente que o valor da transação (1º método de valoração) pode – e deve – ser aplicado às transações comerciais entre pessoas vinculadas uma vez que se aproxima do valor aplicado às vendas para pessoas não vinculadas. Ou seja, em linhas gerais, o valor aduaneiro entre pessoas vinculadas deve, segundo o texto do Acordo, se aproximar muito de transações regulares de comércio exterior com empresas fora do grupo econômico.

A não observância das regras de valoração aduaneira nas operações de importação pode causar prejuízos de grandes proporções, uma vez que a prática de preço com influência da vinculação entre as partes pode resultar em subfaturamento. Em casos assim, não é incomum que a Receita Federal do Brasil trate a operação como dano ao Erário passível da tão gravosa pena de perdimento. Contudo, entendemos que, se verificada influência da vinculação no valor atribuindo, deve a fiscalização observar a sistemática dos métodos constantes do Acordo de Valoração Aduaneira.

2. Preço de Transferência (“Transfer Price”)

Tal como mencionado, todas as transações comerciais envolvendo mercadorias dependem do preço praticado entre as partes. Diante do crescimento econômico das grandes incorporações e dos planejamentos tributários realizados por elas com intuito de usufruir de regimes tributários mais favoráveis em outros países – que não aquele onde foi gerada a renda – foi ganhando corpo a interferência empresarial na composição do preço, refletindo diretamente na importação e exportação de mercadorias.

Em outras palavras, as estratégias empresariais de crescimento e planejamento resultaram na influência da relação entre pessoas vinculadas no preço praticado na venda. Isso interfere não só na valoração aduaneira, mas também no preço de transferência.

Podemos caracterizar preço de transferência como “instituto desenvolvido para impedir que haja manipulação nos preços durante as transações comerciais de venda e compra de mercadorias, serviços e bens ente empresas do mesmo grupo, denominadas ‘intercompanies’ (…)”.

Assim como no tópico anterior, há regras para o instituto aqui tratado. Em suma, as regras de preços de transferência se traduzem pela análise dos preços praticados quando da compra e venda de bens, serviços e direitos entre partes relacionadas (empresas vinculadas), com o objetivo de garantir que não haja uma concorrência desleal no mercado por conta de transações entre partes relacionadas. Ora, é sabido que nestes casos, tais preços poderiam ser manipulados, divergindo, assim, do preço praticado no mercado.

Desta forma, os países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com o intuito de evitar a concorrência desleal no mercado, adotam o princípio “arm’s length”, que hoje também é empregado por países que não são membros da citada organização.

A tradução literal do referido princípio significa “à distância de um braço”, e está previsto no artigo 9º do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE, conforme disposto abaixo:

“(…) as duas empresas [associadas], nas suas relações comerciais ou financeiras, que estiverem ligadas por condições aceitas ou impostas que difiram das que seriam estabelecidas entre empresas independentes, os lucros que, se não existissem essas condições, teriam sido obtidos por uma das empresas, mas não o foram por causa dessas condições, podem ser incluídos nos lucros dessa empresa e tributados em conformidade” (tradução livre)

Tal princípio estabelece que os preços nas operações de comércio internacional entre empresas vinculadas devem ser praticados de forma autônoma, observando os termos do livre comércio, ou seja, a plena oferta e procura. Desta forma, é necessário que haja independência do vendedor na hora de atribuir o preço às suas mercadorias conforme lhe convier a transação de venda.

Uma vez constatada a prática de preço entre empresas vinculadas em discordância com o preço praticado no mercado, a diferença deverá ser adicionada a base de cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.

Em outras palavras, o preço de transferência evita a concorrência desleal, bem como a evasão de divisas nas operações de importação e exportação, sem a devida tributação, entre empresas vinculadas ou países considerados de tributação favorecida.

3. Conflito

Considerando os apontamentos acima, resta claro que os institutos se conflitam quando da transação comercial entre empresas vinculadas, uma vez que o preço não pode ser influenciado para fins de valoração aduaneira, mas deve ser trabalhado de forma a atender as regras de preço de transferência.

Ambos os institutos estão relacionados ao controle fazendário por parte da Receita Federal do Brasil – seja no momento da importação para a Valoração Aduaneira ou na contabilização de lucro para o Preço de Transferência.

E, é pelo princípio “arm’s length” que é feita a avaliação acerca da interferência na composição de preço e valoração da mercadoria objeto de transação comercial entre empresas vinculadas, buscando através dos dois institutos, aqui tratados, evitar distorções nas operações internacionais entre empresas vinculadas.

4. Nossas recomendações

Abordados os institutos e o conflito trazido nas operações de importação de mercadorias, passamos aos nossos comentários e recomendações acerca do tema, atentando à análise de seu reflexo quando tal transação se dá entre empresas relacionadas. Do exposto, vemos que existe uma estrita relação entre o preço de transferência e o valor aduaneiro – ambos regulam os preços praticados na importação, contudo, de maneira distinta. Explicamos.

Com a aplicação das regras de preço de transferência, o Fisco busca a redução de custos na importação para contabilização de lucro, enquanto que, na valoração aduaneira, a fiscalização assegura o efetivo preço para a base dos tributos aduaneiros.

É justamente como resultado desta dicotomia, que paulatinamente as empresas vinculadas se deparam frente às dificuldades em encontrar o equilíbrio necessário para adequar o preço das mercadorias em suas operações, de forma que evite a aplicação de apenas um dos institutos.

É, em nosso ponto de vista, incoerente a mesma Autoridade – Receita Federal do Brasil – avaliar a mesma operação de forma contrária. Ora, não há que se falar em legitimidade de ato administrativo quando aceito o preço praticado para fins de controle do valor aduaneiro e presuma-o como incorreto nas regras de preço de transferência. Entendemos incoerente tratar de forma distinta o mesmo fato econômico (!!!).

Ainda que a indignação doutrinária exista, muitas vezes a empresa se depara com a necessidade de escolher a regra tributária que melhor se adapta à sua operação.

Desta forma, concluímos pela necessidade de acompanhamento e análise contínua dos preços praticados entre as empresas vinculadas, quando da importação, na tentativa de conciliar os institutos analisando suas regras conjuntamente, ainda que, como colocado, sejam dispares. E, por consequência, o respaldo técnico especializado na matéria permite a busca consciente de um planejamento que diminua impactos negativos permitindo ao empresário gerenciar riscos e reduzir custos em suas operações de importação.

Diego Joaquim (*) é:
Diretor Jurídico da Joaquim & Torres Advogados
Advogado especialista em Direito Internacional e especializado em Direito Aduaneiro
Docente em Legislação Aduaneira
Membro da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB Santos
E-mail para contato: diego.joaquim@joaquimetorres.com.br

Ilse Baumegger Silveira de Andrade (**) é: 
Advogada da Joaquim & Torres Advogados
Especialista em Direito Tributário pela PUCCAMP
Graduanda em Ciências Contábeis
E-mail para contato: ilse.andrade@joaquimetorres.com.br

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