Autor(es): Luiz Carlos Mendonça de Barros |
Valor Econômico - 16/01/2012 |
A transição de poder no Brasil em 2011 pode ser vista como um dos sinais mais fortes da maturidade de nossa democracia. Afinal, depois de 16 anos em que dois presidentes de forte liderança popular e política comandaram o país, uma figura nova foi eleita presidente da República. E a transição foi totalmente suave e legitimada pelo apoio da grande maioria da população. Além disso, nesse primeiro ano, Dilma Rousseff governou o país com autonomia e, aparentemente, sem comando a distância do presidente anterior. Nas minhas palestras e encontros com investidores e empresas - no país e no exterior - tenho citado este fato para mostrar que considero o Brasil o mais estável e seguro dos Brics. E digo ao leitor do Valor que esse ponto marca muito a opinião de meus ouvintes. Mas, para não fugir do campo em que me sinto mais preparado para opinar - afinal a política não é minha especialidade - vou refletir sobre a transição na economia, nesta passagem tão importante de poder. Mais do que no campo da política, é na gestão da economia que a presidente Dilma Rousseff vem dando sinais claros de governar segundo seus princípios e prioridades. Embora discorde de algumas das mudanças importantes realizadas por ela, reconheço que este é mais um sinal da maturidade política que atingimos. Uma primeira diferença entre Dilma e Lula na gestão da economia é o grau de mudanças em relação ao rumo traçado no período FHC. Lula, apesar do discurso inflamado contra o neoliberalismo tucano, pouco mudou em seus oito anos de governo. O melhor exemplo disto foi a liberdade que o Banco Central (BC) teve para administrar o rígido sistema de metas de inflação implantado em 1999. Henrique Meirelles foi um presidente duríssimo no combate à inflação e com o apoio irrestrito do presidente da República. Outra marca do BC nos anos Lula foi a resistência às demandas da indústria para administrar a taxa de câmbio com instrumentos heterodoxos. Meirelles limitou-se a comprar os dólares excedentes, nos mercados de câmbio e de derivativos, o que permitiu que tivéssemos uma das moedas mais fortes do mundo. Dilma, pelo contrário, já deu mostras inequívocas que não hesitará em apelar para medidas extraordinárias de intervenção nos mercados de câmbio para tentar enfraquecer nossa moeda. O IOF nos mercados de derivativos é uma mostra clara do que seu governo está disposto a fazer para atingir este seu objetivo. Outro exemplo: nos anos Lula foi total o respeito aos princípios de livre comércio, apesar do crescimento vigoroso das importações. O aumento do chamado coeficiente de importação no setor industrial é uma prova cristalina desta política. A participação da indústria no PIB do país não parou de cair, principalmente depois que as empresas passaram a acreditar na estabilidade do real e os custos do setor produtivo cresceram em função de vários fatores internos de natureza microeconômica. Dilma, pelo contrário, já tomou várias medidas para proteger a indústria, dificultando a entrada de produtos do exterior via aumento das barreiras comerciais e tarifárias. O recente aumento do IPI para os veículos automotores importados mostra até onde o governo pode chegar na busca deste objetivo. Mas as diferenças não estão restritas a questões pontuais, como as citadas acima. A presidente tem um arcabouço teórico bem mais claro e sofisticado, baseado principalmente nos pensamentos do grupo de economistas ligados historicamente ao PT e a outros partidos de esquerda. Lula era um pragmático e, diante do sucesso econômico em seu governo, preferiu não mudar, na sua essência, o soft tucano. Já Dilma, tendo que enfrentar certo esgotamento do crescimento e, principalmente, uma agenda nova de desafios na economia, está sendo obrigada a tomar decisões e definir políticas, e coerentes com suas ideias. Uma das marcas deste novo pensamento econômico - e que já podemos notar em muitas de suas políticas - é uma posição mais agressiva de intervenção do governo na economia. O espaço ocupado pelo Estado, tanto como agente direto, como via regulação de mercados, vem aumentando de maneira muito clara. O exemplo da política no setor da energia elétrica é para mim um dos mais importantes. O governo vem forçando os preços para baixo - sem diminuir a carga tributária - e reduzindo as margens de lucro das empresas. O objetivo é o de reduzir os custos para o setor produtivo, principalmente o industrial. Mas, ao fazer isto, está criando distorções microeconômicas muito graves e com efeitos de longo prazo. Por exemplo, no setor de cogeração de energia elétrica, nas usinas de açúcar e álcool, a margem das empresas já está quase negativa. Com isto está afastando os investimentos privados e reduzindo o potencial de crescimento de geração. A resposta a esta situação está vindo via maior presença do Estado. De um lado trazendo a Petrobras também para este espaço até agora privado e criando uma nova linha de crédito subsidiado no BNDES para tentar induzir os investimentos. Em minha opinião, é este aumento da intervenção do Estado o principal fator que explica a incapacidade do Brasil de crescer a taxas mais elevadas. E não vejo a presidente mudando de rumo. Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas-feiras. |
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