Simpatia e contatos políticos. Essa foi a fórmula do sucesso de Gilberto Miranda, empresário e político que fez fortuna na Zona Franca de Manaus ao abrir empresas, mesmo sem dinheiro suficiente para bancá-las; conquistou três mandatos de senador, a despeito de não ter recebido um único voto; e, casado com uma das herdeiras da família Scarpa, tornou-se anfitrião de festas frequentadas pela elite paulistana.
Desde 2005, Miranda estampa revistas de fofocas, interessadas na vida do milionário, dono de um jatinho que pertenceu ao ex-piloto Nelson Piquet, de farta adega de vinhos, do veleiro construído em 1924 para o filho do banqueiro John Pierpont Morgan e de mansões nos Jardins, bairro nobre de São Paulo, onde dá festas para personalidades e políticos. Recentemente, porém, o ex-senador retornou ao noticiário político como acusado pela Polícia Federal (PF) de ser o principal beneficiado dos pareceres forjados por órgãos do governo.
Segundo a PF, Miranda procurou a quadrilha, investigada na Operação Porto Seguro, para regularizar as construções feitas em sua ilha, em Ilhabela (SP), e viabilizar a expansão do porto de Santos (SP), na Ilha de Bagres, que tem como principal favorecida a Brasil Terminal Portuário (BTP) - empresa que tinha como diretores ex-funcionários de Miranda.
Empresário fez fortuna ao agilizar a entrada de empresas na Zona Franca de Manaus e tornar-se sócio delas
O advogado dele, Cláudio Pimentel, diz que não comenta o caso na imprensa - seu cliente foi indiciado três vezes por corrupção ativa. Pimentel é o responsável pela defesa dos últimos processos que o ex-senador enfrentou na Justiça - ações trabalhista e de sonegação fiscal.
Nesses processos, Miranda declara como moradia uma casa e um apartamento na Espanha, onde diz viver desde 2007. Porém, nas duas vezes ele informa incorretamente o nome da rua, misturando o espanhol com o catalão - reportagem de quarta-feira do jornal "Folha de S. Paulo" afirma que os apartamentos onde o ex-senador diz morar são ocupados por uma família e por uma empresa. "A residência dele é em Barcelona. Ele só vem para São Paulo a negócios", afirma Pimentel.
Filho de um tintureiro e uma dona de casa de São José do Rio Preto (SP), Miranda, hoje com 67 anos, foi aos 20 para Brasília tentar a vida. Trabalhou como professor de natação de um clube durante o dia e segurança de restaurante à noite. Simpático, tornou-se amigo de poderosos que frequentavam os locais.
Deu aulas de natação para o ex-governador do Distrito Federal Paulo Octavio, o ex-presidente Fernando Collor de Mello e Aloísio Campelo, que assumiria a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) em 1975 - personagens que teriam papel fundamental no seu futuro empresarial e político. Praticante de shiatsu, ajudou a curar uma dor nas costas do então chefe do Serviço Nacional de Inteligência (SNI), general João Figueiredo, que depois viria a presidir o país de 1979 a 1985. Enquanto isso, estudou Direito em uma universidade particular.
No início da década de 70, mudou-se para São Paulo para trabalhar no escritório de advocacia de um amigo, onde procurava no "Diário Oficial da União" empresas com problemas judiciais em Brasília e oferecia-se para resolvê-los.
Encontrou a Gentek. A empresa teve uma carga de calculadoras apreendida ao entrar na Zona Franca e ele ofereceu ajuda, segundo contou ao jornal "Folha de S. Paulo" em 1995. Falou com o superintendente da Suframa, Aloísio Campelo, que conheceu no clube de natação, e conseguiu liberar o produto. O sucesso o tornou procurado por empresários com interesse na região.
Em troca do serviço, não pedia honorários, mas uma parte das ações das empresas abertas em Manaus. O primeiro a aceitar foi Mário Lander, representante da Facit, de material de escritório. Lander entrou com o dinheiro, a tecnologia e a marca. Miranda, com US$ 10 mil e a habilidade de implantar a companhia rapidamente.
Auditoria do Tribunal de Contas da União feita posteriormente mostra a diferença no trâmite dos projetos de Miranda e dos demais. Enquanto o tempo médio de aprovação de cartas-consulta era de 112 dias e o de projetos, de 242 dias, uma das empresas do ex-senador, a Universal Componentes, teve tudo autorizado em 6 dias.
Não tardou para a fama se espalhar e ele logo virou sócio da fábrica de brinquedos Troll, do ex-ministro da Fazenda Dílson Funaro.
Em 1983, ajudou Gilberto Mestrinho (PMDB) na eleição para o governo do Estado ao fazer contato com empresários. Sugeriu, em troca, que fosse criada uma representação do governo amazonense em São Paulo para atrair empresas. O pemedebista foi eleito e Miranda, nomeado para o cargo. Foi aí que os negócios deslancharam.
O ex-senador, que diz ter levado mais de 200 empresas para a Zona Franca em quatro anos, entrou como sócio nas fábricas da Olivetti (máquinas de escrever), da PCI Componentes (importadora do computador "Amiga 600", um dos mais vendidos dos anos 90, e uma das únicas do mundo autorizada a usar a marca IBM), da Mitsubishi, da Evadin (toca-discos), da Lego, da Semp Toshiba e da Xerox, segundo documentos obtidos pelo Valor na Junta Comercial do Amazonas.
Todas atrás dos benefícios da Zona Franca: redução de 55% no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), diminuição de 92% no Imposto de Importação e isenção do Imposto de Renda - o que permitiu ao milionário Miranda declarar-se isento em nove dos últimos dez anos.
Um dos negócios frustrados de Miranda foi com a fabricante de brinquedos Grow. Fundador e ex-sócio da empresa, Oded Grajew diz que procurou o Governo do Amazonas para abrir uma fábrica na Zona Franca e lhe foi dito para falar com "o secretário Miranda". "Percebemos que ele queria facilitar as coisas de uma forma que não gostamos muito em troca de tornar-se nosso sócio. Como não queríamos depender de favores, desistimos", disse Grajew ao Valor. A Grow Amazonas foi registrada na Junta Comercial em 1986, mas está com o cadastro inativo há pelo menos 10 anos.
A Receita Federal foi outra a questionar os negócios do ex-senador. Relatório do órgão feito em 1996 sobre o acordo com a Xerox pedia que o Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda tirasse benefícios fiscais das empresas de Miranda, que estariam apenas montando os produtos da marca. "Toda a produção é vendida com exclusividade para a Contratante, que determina os preços de compra e venda, a quantidade produzida e o fornecedor no exterior (sempre a Xerox Corporation)", diz o relatório. O conselho rejeitou a punição dizendo que a Suframa não viu problemas no projeto. A Xerox disse, por sua assessoria, que mudou seu modelo de negócios e não fabrica mais no Brasil.
Em 1986, Miranda entrou de vez na política. Filiado ao PMDB, financiou a campanha de Carlos Alberto de Carli (PMDB) ao Senado e ficou como suplente. O titular se ausentou por três meses e Miranda assumiu o mandato pela primeira vez. O Valor procurou o Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas para saber o valor exato doado à campanha, mas o TRE-AM informou que os arquivos queimaram em um incêndio.
Três anos depois, o irmão de Miranda, Egberto Batista, que era um dos coordenadores da campanha de Collor à Presidência, foi responsável pelo vídeo em que a ex-namorada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Miriam Cordeiro, acusava o petista de tentar forçá-la a praticar um aborto. Collor venceu e nomeou Egberto secretário de Desenvolvimento Regional - Pasta que controlava a Suframa.
Em 1990, Gilberto Miranda bancou a candidatura de Amazonino Mendes (PDT) ao Senado e foi eleito primeiro suplente. Dois anos depois, incentivou o pedetista a disputar a Prefeitura de Manaus e, com a vitória de Amazonino, ficou seis anos como senador.
Visto pelos ex-colegas como "um grande lobista", atuou para aprovar projeto que impedia a punição de "sonegadores arrependidos" (leia ao lado). Aproximou-se da cúpula do PMDB, em especial José Sarney (AP) e Renan Calheiros (AL), atual e provável futuro presidentes do Senado.
Essa relação não foi afetada nem pela traição ao PMDB na disputa da Mesa Diretora em 1996. O partido tinha a maior bancada, com dois senadores a mais que o PFL, e Íris Rezende (PMDB-GO) assumiria a presidência. Na última hora, Miranda filiou-se ao PFL, levou outros dois senadores e elegeu Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA).
Caiu nas graças do político baiano e recebeu a presidência da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e a relatoria do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), que virou tema de CPI. Em conversa telefônica gravada pela PF, o embaixador Júlio Ferreira Gomes, que coordenava o cerimonial da Presidência, reclama que Miranda estaria atrasando o projeto e pergunta a um dos empresários interessados no Sivam: "Você já pagou este cara?"
Miranda negou a denúncia de propina e a CPI, presidida pelo então deputado Gilberto Kassab (à época no PFL, hoje no PSD), que anos depois foi padrinho de casamento do ex-senador, o inocentou. Mas o caso levou até a ameaça de morte ao ex-senador Vilson Kleinübing (PFL-SC), quando o catarinense levou o assunto ao plenário.
Em 1998, Miranda tentou nova candidatura. Financiou a campanha de Gilberto Mestrinho para o Senado e ficou como segundo suplente em uma eleição apertada - o ex-governador, atacado pelos adversários por apenas "guardar a vaga para Miranda", quase perdeu a disputa.
Um transplante de rim fez Mestrinho licenciar-se de novembro de 2004 a março de 2005, quando tornou-se pela terceira vez senador. Após quatro meses no cargo, definiu como sua principal contribuição a defesa da legalização dos bingos, "pelo fato de a atividade proporcionar lazer a muitas pessoas e também gerar emprego e renda".
Não tentou se reeleger desde então e pouco vai ao Amazonas - onde não costumava pisar mesmo nos tempos em que representava o Estado. Desfiliou-se do DEM - que substituiu o PFL - em 30 de outubro e está sem partido. Afastado da vida pública, casou-se pela segunda vez, em 2007, com Carolina Andrauss, dona da grife de roupas Beach Couture .
Volta e meia, porém, ainda aparece no noticiário. Foi acusado por Arthur Virgílio (PSDB), atual prefeito de Manaus, de negociar a venda de terras na Amazônia para estrangeiros. Envolveu-se em uma licitação milionária de venda de celulares para a Vivo. Com menos influência na Suframa, foi vendendo sua participação nas empresas e hoje só tem na região uma construtora, a Ralc.
Avesso a deixar digitais, buscou novos negócios, que as investigações da PF agora começam a revelar.
Autor(es): Por Raphael Di Cunto | De São Paulo Valor Econômico
Comentar
Aproximou-se da cúpula do PMDB, em especial José Sarney (AP) e Renan Calheiros (AL), atual e provável futuro presidentes do Senado.
Essa relação não foi afetada nem pela traição ao PMDB na disputa da Mesa Diretora em 1996. O partido tinha a maior bancada, com dois senadores a mais que o PFL, e Íris Rezende (PMDB-GO) assumiria a presidência. Na última hora, Miranda filiou-se ao PFL, levou outros dois senadores e elegeu Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA).
Três anos depois, o irmão de Miranda, Egberto Batista, que era um dos coordenadores da campanha de Collor à Presidência, foi responsável pelo vídeo em que a ex-namorada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Miriam Cordeiro, acusava o petista de tentar forçá-la a praticar um aborto. Collor venceu e nomeou Egberto secretário de Desenvolvimento Regional - Pasta que controlava a Suframa.
Bem-vindo a
Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI
© 2024 Criado por Textile Industry. Ativado por
Você precisa ser um membro de Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI para adicionar comentários!
Entrar em Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI