Correio Braziliense - Publicação: 01/10/2010
Os juros estão tomando conta do orçamento do consumidor. As taxas são tão elevadas que, na compra de um produto, o comum é pagar duas ou até três vezes por ele. O brasileiro compromete 23,8% da renda mensal com financiamentos bancários para comprar bens de consumo. Mais da metade dessa parcela (13,3% do rendimento) é destinada ao pagamento dos encargos. Os restantes 10,5% são para quitar o principal da dívida. A constatação é do corpo técnico do Banco Central (BC), que concorda com a afirmação de que o “brasileiro compra juros para ganhar de brinde uma geladeira”.
Segundo levantamento do BC, o brasileiro descobriu o crédito nos últimos anos e está se endividando em ritmo acelerado. Em julho de 2006, o consumidor médio devia cerca de 25% do seu orçamento anual. Em igual mês deste ano, a conta cresceu para 39,1%. Parte desse endividamento — o equivalente a 8,06% — é com o financiamento da casa própria. Quando se divide o débito total pelo número de parcelas, o BC concluiu que o comprometimento salarial com a quitação das prestações vem se ampliando devagar ao longo do tempo.
Há quatro anos, os trabalhadores usavam 21,4% dos ganhos com os pagamentos mensais. Este ano, o índice passou para 23,8%. O desembolso mensal com o pagamento de juros passou de 11,3% da renda para 13,3%, um aumento de dois pontos percentuais. A parcela referente ao pagamento do principal cresceu bem menos no período, de 10,1% para 10,5%. “As pessoas pagam mais juros do que principal. As taxas no Brasil ainda são muito elevadas”, justificou Carlos Hamilton Araújo, diretor de Política Econômica do BC.
Casa própria
A constatação de Araújo explica por que, na compra da casa própria, em algumas simulações de financiamento, chega-se a pagar 216,9% de juros. Uma residência que, à vista, custa cerca de R$ 110 mil, tem o valor multiplicado por três quando a compra é dividida em 180 meses. A despeito do alto custo, o sonho de sair do aluguel tem ganhado destaque na carteira de crédito dos bancos. Mais brasileiros estão comprando casas. Em 12 meses, os financiamentos habitacionais cresceram 51%, segundo dados do BC.
A situação é semelhante na aquisição de veículos, geladeiras, fogões e televisores. Uma máquina de lavar pode dobrar de valor se o pagamento for dividido em 24 vezes em uma grande rede varejista do país. Uma moto que custa R$ 5.690,00 à vista sobe para R$ 13.360,00. Das condições de financiamento pesquisadas pelo Correio, apenas a de veículos se mostrou com juros menos pesados. O custo do carro não chega a dobrar, mas fica 76,63% maior. Se ao valor final fosse acrescentado cerca de R$ 6 mil, seria possível adquirir mais um automóvel com as mesmas características.
Concorrência
A forte concorrência no sistema financeiro, porém, tem feito os bancos reduzirem os custos de empréstimos para ampliar a carteira de clientes. No caso dos bancos particulares, a vontade de conceder crédito é ainda maior — eles não querem perder espaço para as instituições públicas, que têm ordens explícitas para aumentar as carteiras.
A inadimplência em baixa também tem reduzido o valor dos juros e do spread bancário (diferença entre a taxa que o banco paga para captar recursos no mercado e o que ele cobra dos clientes). Eventuais aumentos de taxas têm sido acomodados com a ampliação do prazo de pagamento, de tal forma que a prestação caiba no bolso do consumidor.
Ajuste fiscal conteria preços
O Banco Central (BC) conta com um esforço fiscal da magnitude de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano que vem para conseguir manter a inflação em torno da meta oficial. Mesmo assim, nem para 2011, o BC cravou a alta dos preços no centro do objetivo, que é de 4,5% ao ano. Tanto no cenário de referência, que prevê juros constantes de 10,75% e taxa de câmbio de R$ 1,75, quanto no traçado pelos analistas de mercado, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) está em 4,6% em 2011, só recuando para 4,4% no terceiro trimestre de 2012. As novas projeções constam do Relatório de Inflação divulgado ontem.
Segundo o diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton Araújo, o BC conta com a recuperação do superavit primário (economia para pagar parte dos juros da dívida pública) no ano que vem para conter a inflação. Caso o governo não faça esse esforço adicional, que significa na prática reduzir os gastos, a inflação certamente será maior do que a esperada até agora.
Araújo deixou claro que, para o BC, o esforço fiscal deste ano não passará de 2,4% do PIB — dos 3,3% que o Tesouro garante que vai cumprir com a mágica da capitalização da Petrobras, que o BC desconsidera. A autoridade monetária ainda desconta 0,9 ponto percentual dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O raciocínio para este ano é semelhante ao do próximo. Se o governo tivesse feito um esforço fiscal maior, a inflação que o BC projeta em 5% para o fim do ano poderia estar menor.
No relatório de inflação, o BC reforça as razões que levaram o Comitê de Política Monetária (Copom) a frear a escalada dos juros, depois de aumento de dois pontos percentuais na taxa básica. O Copom avaliou, por exemplo, que o cenário externo é benigno para a inflação devido ao baixo crescimento das principais economias do mundo. Na visão do Copom, no mercado interno, a reversão dos estímulos introduzidos durante a crise, a relativa acomodação no crédito e o ajuste da taxa básica de juros a partir de abril colaboram para o bom comportamento da inflação.
O Copom chama a atenção para os riscos inflacionários a curto prazo. O principal deles é a reversão da queda dos preços dos alimentos, que havia contribuído para a inflação sob controle nos últimos meses. O BC reconheceu que esse efeito benéfico não vai ocorrer daqui para a frente e que a população só agora está começando a sentir a elevação dos preços dos alimentos.
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