Entrevista do cientista político Theotonio dos Santos, concedida a mim no dia 6 de abril e publicada no jornal Monitor Mercantil, edição do último final de semana.
THEOTONIO DOS SANTOS/ CIENTISTA POLÍTICO
Para ser parceiro estratégico da China, Brasil precisa ter projeto
A China, na década de 90, declarou o Brasil como parceiro estratégico. Na época, o Brasil era até mais desenvolvido que o novo aliado. No entanto, o cientista social Theotonio dos Santos, professor emérito da Universidade Federal Fluminense (UFF), com seis livros traduzidos para o mandarim (idioma oficial chinês), observa que, em praticamente duas décadas, o gigante asiático deu um imenso salto qualitativo, enquanto o Brasil, fiel seguidor do receituário dos organismos multilaterais, ficou para trás.
“Enquanto a China, em cinco anos, será o grande centro de publicação de pesquisa científica, superando os Estados Unidos, o Brasil ficou atrasado. Mas, se fizer o esforço de entrar na disputa por uma economia forte, em nível mundial, com distribuição de renda interna capaz de alavancar o desenvolvimento, possivelmente, os níveis dos acordos com a China poderão ser muito mais interessantes para o Brasil”, afirma, nesta entrevista exclusiva ao MONITOR MERCANTIL.
Que balanço podemos fazer desses 17 anos de parceria estratégica com a China?
Em 1994, foi feito o acordo aeroespacial com os chineses. Mas o Brasil não acompanhou o desenvolvimento da China nesse período. Houve uma série de incompreensões, acusações de trabalho escravo, que não existe naquele país. Pelo contrário: no Brasil é que temos.
Durante esse período, os chineses mantiveram média de crescimento de 10% ao ano e nós ficamos mais perto de zero do que de 10%. Ano passado, o PIB se expandiu em mais de 7%, mas sobre uma base zero.
A China deixou de ser apenas grande exportadora para se tornar a mais poderosa liquidez do mundo. Suas reservas ultrapassaram os U$ 3 trilhões, sendo que US$ 970 bilhões estão em títulos da dívida norte-americana, o que faz do país o maior proprietário desses papéis no mundo. E ainda sobram quase US$ 2 trilhões para montar alguns fundos soberanos, como o último que fizeram para a América Latina, de US$ 300 bilhões. Uma parte grande desses recursos vai para a África e outra para comprar empresas e fazer investimentos no Primeiro Mundo.
Mas o Brasil está entre os cinco proprietários da dívida pública dos EUA. Isso não o faz um parceiro forte?
O Brasil prefere usar seus recursos no pior investimento hoje, que são os títulos norte- americanos. Eles pagam taxa de juros zero, sobre uma moeda que permanente baixa. Mas para nosso Banco Central (BC), significa investimento AAA (risos). O país poderia investir no Banco do Sul, mas o Parlamento brasileiro nem sequer aprovou o capital de US 2 milhões exigido para os sócios. A diferença é brutal em termos de estratégia de desenvolvimento.
Em que setores se vê as maiores diferenças?
A China, desde 1994, na medida em que expande sua presença mundial, aumenta a produção interna e a renda nacional, se converteu na maior expansão de demanda do mundo. Mudou também o padrão tecnológico. Não saiu da baixa para a alta intensidade tecnológica, como pretende o Brasil, mas para a produção de altíssima tecnologia, a ponto de competir com os países de ponta.
Xangai é o primeiro lugar em educação científica. Os papers chineses já se aproximam dos norte-americanos. Em cinco anos, a China será o grande centro mundial de publicação de pesquisa científica. Se os chineses ficarem por conta de nossa capacidade de avançar, a parceria deve estar sendo avaliada como extremamente negativa. O Brasil ficou atrasado. Mas se fizer esforço para entrar na disputa por uma economia forte, em nível mundial, com distribuição de renda interna capaz de gerar uma economia realmente poderosa, possivelmente, os níveis dos eventuais acordos poderão ser muito mais interessantes para o Brasil.
E como vai ser a cooperação? Há quem diga que os chineses agem como neo- imperialistas.
O que o Brasil quiser a China faz. Eles não querem que o Brasil seja mero exportador de commodities. É verdade que são um importador de produtos primários, o que é outra coisa. Mas não têm condições de ser uma potência imperialista sobre o Brasil hoje, como foram os EUA. Todavia, se o Brasil continuar parado e a China mantiver essa dinâmica colossal, ficaremos fragilizados. Em vez de ficar falando de trabalho escravo, o Brasil deve avançar e compreender que a dinâmica chinesa vai na direção de novas etapas científico-tecnológicas, segmento em que o Brasil tem dificuldade.
Interessa aos chineses que a indústria brasileira seja mais competitiva?
Não creio que os chineses estejam preocupados com a competitividade do Brasil. Se melhorar um pouco não vai incomodar, pois ainda não estaremos disputando a ponta. Um acordo como esse firmado na visita da presidente Dilma (produção de equipamentos eletrônicos) é do interesse dos chineses. Estão embutidos acordos de exportação. Além disso, é importante desenvolver a região para que os EUA não tenham apenas vizinhos facilmente domináveis. Mas daí a dizer que a China age como um império é um exagero.
Por quê?
Historicamente, a China foi um império até o século XVIII e sua tendência é se reconverter em centro da economia mundial. Mas, no plano intelectual, brasileiros sequer estão interessados na China, a não ser para fazer uma exportaçãozinha. Com este enfoque, continuaremos crescendo entre 3% e 5%, acreditando nos metafísicos que dizem que não podemos crescer mais de 5%. Não há fundamento nenhum para essa tese. Precisamos de uma mudança de enfoque muito séria. Espero que a presidente conheça a China e mude.
O que existe na China capaz de mudar a cabeça da presidente Dilma Rousseff?
Organizei uma viagem do ex-governador fluminense Anthony Garotinho à China e ele não acreditava no que via. O país lembra o Brasil da década de 50, que era um país com enorme capacidade de geração de fatos econômicos, acadêmicos e artísticos impressionantes. A China produz mil filmes por ano. Quantos desses são assistidos no Brasil? A relação com a China não é uma questão de fofoca, mas deve ser parte de uma estratégia de afirmação mundial, que passa por uma cooperação forte, que incorpore aspectos da estratégia chinesa. A China fez recentemente um projeto estratégico para a América Latina, mas aqui nenhuma discussão foi feita, nem para essa viagem da presidente.
Muitos creditam importância maior nessa viagem à reunião com os Brics. Existem muitos pontos de convergência no grupo?
Os Brics são um fenômeno já concreto de expansão da economia mundial Não temos que concordar sempre, mas os interesses comuns são muito grandes diante da estruturação mundial em torno de uma nova ordem plural, para impedir o mundo unipolar. Isso é interesse de todos os países do Terceiro Mundo e será, cada vez mais, interesse da Europa.
Mas a Europa tem tido postura extremamente pró-EUA…
Esta postura é suicida. A Europa terá de entender que precisa voltar ao mundo euro-asiático, ligando-se aos centros dinâmicos da economia mundial neste momento. Essa é a tendência no mundo inteiro e os europeus terão de seguir, apesar da classe dominante formada nos últimos 20 anos, de submissão a um projeto norte-americano que já não tem mais substância. Durante a Guerra Fria, havia certo sentido, mas quem acabou com a União Soviética foi ela própria, que se auto-dissolveu. Também não foram os EUA que derrubaram o Muro de Berlim, mas o Partido Comunista alemão.
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