Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Fonte:|portugaltextil.com|

Prioridades ambientais do vestuário – Parte 1

As marcas e os retalhistas de vestuário ocidentais investem uma enorme quantidade de tempo em programas ambiciosos e complexos para resolver problemas de natureza ética. No entanto, nas questões provavelmente mais importantes, o seu desempenho parece declinar.

 Segundo este artigo de opinião de Mike Flanagan, CEO da Clothesource Sourcing Intelligence, uma consultora britânica especializada no sector do vestuário, o ano 2010 não foi realmente um bom ano para as pessoas que pensavam que os grandes e poderosos ocidentais podiam mudar o mundo.

Na realidade, o ano acabou com a conclusão deprimente que o presidente dos EUA – muitas vezes chamado de “o homem mais poderoso do mundo” – nem sequer conseguiu que o Senado, com 62% dos membros pertencentes ao seu partido, renovasse uma concessão comercial – com décadas de existência – com a Colômbia, que até tinha o apoio dos fabricantes norte-americanos.

O Andean Trade Promotion and Drug Eradication Act (ATPDEA) permite o livre acesso aos EUA para o vestuário colombiano produzido com tecidos norte-americanos. Até mesmo o lobby têxtil norte-americano (que geralmente se opõe instintivamente a qualquer concessão de direitos), quis o alargamento para além do seu prazo de validade de 31 de Dezembro de 2010, porque o programa é vital para muitas fiações e tecelagens nos EUA.

No entanto, em parte por causa das preocupações totalmente não relacionadas de um senador sobre a importação descontrolada de sacos cama do Bangladesh, o prolongamento da medida não conseguiu passar pelo Senado. Nem um acordo de prorrogamento do programa por seis meses. Só no dia 22 de Dezembro de 2010 o Senado concordou numa extensão de seis semanas até o início de Fevereiro, dando ao novo Congresso (no qual o partido do presidente já não tem a maioria) tempo para discutir talvez apenas alguns meses de vida para o programa.

O presidente Obama está também a tentar ratificar o Acordo de Comércio Livre entre os EUA e a Coreia, bem como a tentar reanimar o seu programa de acesso livre de direitos ao vestuário produzido em determinadas regiões do Paquistão.

Obama não é o primeiro presidente norte-americano que tem o dedo num arsenal de armas nucleares suficiente para destruir a população mundial  mas que não consegue aprovar simples medidas comerciais no Congresso. O seu antecessor não conseguiu praticamente a aprovação no Congresso de programas idênticos para a Colômbia, o Paquistão e a Coreia.

Influência da UE também diminui
E não é apenas o sistema político dos EUA que impede os supostamente poderosos de avançarem no seu caminho. A UE (com uma população de 501 milhões) não teve dificuldade em conseguir que os seus legisladores apoiassem a sua linha-dura em matéria de direitos humanos com o Sri Lanka (população de apenas 1/25 da UE) em 2010.

Mas o presidente do Sri Lanka ignorou a pressão, alegou que o seu país não iria sofrer com as concessões de comércio de vestuário que perderia como resultado – e o seu governo, no final do ano, afirmou que as vendas de vestuário tinham aumentado desde que as concessões desapareceram no final do Verão.

Em Novembro, a UE também se esforçou para conseguir que outros membros da Organização Mundial do Comércio suspendessem a oposição ao seu plano de isenção de direitos para diversas exportações de vestuário do Paquistão. Mas o plano da UE para ajudar o Paquistão a recuperar das inundações de 2010 não vai, provavelmente, ver a luz do dia.

Com a UE e os EUA a lutarem para influenciar outros países, não é surpreendente que as suas maiores empresas pareçam estar a ter as mesmas dificuldades em impor os seus padrões éticos aos fornecedores de têxteis e vestuário.

A maioria das marcas e retalhistas mais respeitados, por exemplo, afirmam estar a boicotar o algodão do Uzbequistão, porque o governo uzbeque (como os seus pares nas outras ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central) permite e aplica a escravidão infantil nos seus campos de algodão.

O boicote não mostra sinais de ser levantado. Mas em 2010 os uzbeques anunciaram novos contratos para vender algodão aos seus vizinhos Paquistão e Bangladesh, e para pedir mais investimentos em unidades industriais para transformar a fibra em produtos têxteis e de vestuários acabados.

Os fiandeiros e tecelões do Paquistão e Bangladesh, com receio que as restrições sobre as exportações de algodão indiano os colocassem fora do negócio, não mostraram nenhuma hesitação em aumentar as suas compras de algodão uzbeque. E a sueca H&M alegou ser impossível controlar se as peças de vestuário feitas no Bangladesh incluem algodão desta origem.

Se a H&M está correcta ou não, é contestado por outros retalhistas. Mas a pergunta pode ser apenas académica, uma vez que durante 2010, onde tivemos mais e mais marcas ocidentais a anunciarem o boicote ao Uzbequistão, o governo dos EUA publicou estimativas indicando o aumento das exportações de algodão uzbeque.

São cada vez mais as marcas e os retalhistas de vestuário que anunciam programas ambiciosos de defesa ambiental. No entanto, neste artigo de opinião, Mike Flanagan sugere às marcas e retalhistas que “se concentrem no que podem influenciar” ao longo de 2011.

Prioridades ambientais do vestuário – Parte 2

As marcas e os retalhistas de vestuário ocidentais investem uma enorme quantidade de tempo em programas ambiciosos e complexos para resolver problemas de natureza ética, mas em questões provavelmente mais importantes, o seu desempenho parece declinar.

Na verdade, parece que estamos a entrar num paradoxo praticamente surreal: marcas e retalhistas de vestuário ocidentais anunciam quase diariamente programas mais ambiciosos e complexos para resolver problemas éticos, produzem resmas de dados que alegam “provar” que estão a trabalhar, mas sobre as questões que são provavelmente mais importantes, o desempenho parece declinar anualmente.

Na medida em que esses programas “éticos” são agora chamados de “planos de sustentabilidade”, vamos pegar no que é, sem dúvida, o mais simples indicador da sustentabilidade de uma peça de roupa: o seu impacto sobre o aquecimento global.

Estudos realizados pela Universidade de Cambridge em 2005 mostraram que, em circunstâncias normais, a forma como uma peça de vestuário é subcontratada ou fabricada faz pouca diferença no seu impacto sobre o aquecimento global.

Por exemplo, o transporte do algodão para uma t-shirt típica por terra e mar dos EUA para a China, fiar o algodão, tricotá-lo e confeccionar a t-shirt na China e, em seguida, o frete marítimo para a Europa. O consumidor final utiliza dez vezes mais energia a lavar, secar e engomar a t-shirt do que a que foi utilizada em todo o seu transporte à volta do mundo – desde que a viagem intercontinental seja toda feita por via marítima.

A confecção do vestuário utiliza até três vezes mais energia do que o frete intercontinental, mas menos de um terço da que é usada no cuidado e manutenção. Por isso, normalmente, o maior contributo que um retalhista ou marca de vestuário pode trazer para a luta contra o aquecimento global está em redesenhar as roupas para que possam ser lavadas a temperaturas baixas e tenham pouca necessidade de passar a ferro ou secar artificialmente.

Mas, de acordo com os estudos da britânica DEFRA em 2005, se introduzirmos a carga aérea na equação, tudo se altera. Um quilo transportado por via aérea durante 10.000 km significa 44 vezes mais carbono do que é emitido se esse mesmo quilo fosse transportado via marítima. O transporte aéreo não gasta apenas energia, mas as emissões dos aviões libertam mais carbono por litro de combustível do que qualquer outra forma de transporte.

A viagem em torno do mundo dos cerca de 150 gramas de algodão necessários para fazer uma t-shirt cria quase nenhuma poluição em relação à que é produzida na confecção de uma peça de roupa ou nos cuidados com a mesma – mas o frete aéreo é absolutamente letal. E se o tecido ou os botões de uma peça de vestuário forem fretados via aérea para a fábrica, as coisas ficam ainda piores.

Desempenho do vestuário
Então, como evoluiu o desempenho do sector de vestuário desde que estes números foram publicados? Até 2010, possivelmente muito bem. O vestuário importado para a UE por via aérea caiu de 10,1% (em peso) de todas as roupas importadas em 2005 para 8,2% em 2009. Mas nos primeiros dez meses de 2010 recuou para os 10,3% - o pior desempenho desde que a UE começou a registar esta informação em 2000. Atingiu uns terríveis 13,6% em Maio de 2010.

Como estão os mais altos auto-promotores de "sustentabilidade" da Europa a evoluir? Simplesmente não sabemos. A Marks & Spencer, o maior retalhista britânico de vestuário, tem mais de 100 compromissos de sustentabilidade no seu “Plano A” - incluindo metas de carga aérea que diz ter alcançado.

Mas esses alvos são principalmente na redução de carga aérea para a alimentação – embora muitos estudos digam que, em algumas circunstâncias, o frete aéreo de alimentos de países que cultivem com pouco uso de energia pode reduzir mais as emissões de carbono do que o seu cultivo em países ricos e transporte por terra para as lojas.

A M&S não identifica as roupas transportadas por via aérea, não tem planos para revelar a sua utilização de transporte aéreo na roupa e parece não ter planos para reduzir a sua utilização.

A H&M reivindica ter reduzido a quantidade de energia utilizada nos transportes, nos últimos três anos (que não é necessariamente a mesma coisa que a redução das emissões de carbono). Mas não tem metas de redução da carga aérea – e o único número que publica sobre o frete aéreo é o facto trivialmente surrealista de que foi reduzida a proporção de peças de vestuário transportadas por ar da Turquia para Hong Kong (sim, da Turquia para Hong Kong) de 100% para 74%. Enquanto isso, corta orgulhosamente nas milhas aéreas percorridas pelos seus compradores.

É perfeitamente possível que a M&S e a H&M tenham reduzido, de facto, a sua utilização do transporte aéreo e que o aumento assustador de 25% na Europa em roupas transportadas via aérea entre 2009 e 2010 seja tudo culpa dos seus concorrentes. Na realidade, é provável que a M&S e a H&M possuam um melhor registo do que outros retalhistas e marcas europeias. Mas será que eles não nos diriam se fosse esse o caso?

É impossível pensar em qualquer actividade no vestuário que possua decisões com maior impacto no ambiente do que a utilização do transporte aéreo. E é realmente muito difícil pensar em qualquer circunstância em que é realmente necessário e não pode ser evitado por um melhor planeamento e uma gestão de fornecedores mais apertada.

Ao contrário de muitas áreas da sustentabilidade, o compromisso de eliminar os programas de transporte aéreo para o vestuário (e seus componentes) pode fazer uma diferença real para o aquecimento global. Mas “dizer não” ao transporte aéreo não é uma política fácil de aplicar. No retalho de moda, o frete aéreo parece ser, muitas vezes, a única opção comercial quando as coisas correm mal.

A agência de pesquisa de mercado Ipsos MORI, do Reino Unido, divulgou em 2010 que apenas 28% da população declarou estar “preocupada” com o aquecimento global – uma queda acentuada dos 44% que estavam preocupados em 2005. Na realidade, os clientes não protestam em frente às lojas por causa do vestuário ser transportado por via aérea.

Mas o transporte aéreo é algo que os retalhistas podem influenciar. Se quiserem.

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