Sem água em casa, sertanejos aguardam cisternas atrasadas do Governo Federal
"As cisternas se acabando lá no sol e a gente precisando. Pra que o Governo mandou aquilo?". O desabafo é de dona Damiana Antônia de Souza Félix, 55 anos. Ela mora com a mãe de 90 anos, a irmã e um sobrinho no Sítio Jardim de Fora, área rural do município de Solidão, no Sertão do Pajeú, distante 411 km do Recife. Todos os dias, desde que a cacimba da sua casa secou há cinco meses, Dona Damiana precisa caminhar cinco quilômetros até encontrar um dos últimos poços com água na região, ainda assim salobra. A água - levada para casa em latões por um jumento que, por não ter o que comer, "já anda cruzando as patas", como ela definiu - mal dá para beber, cozinhar e tomar banho. Sobrevivendo em meio à pior seca no Nordeste brasileiro dos últimos 40 anos, não consegue entender o motivo de centenas de cisternas, que poderiam mudar a realidade de várias famílias, estarem acumuladas desde setembro em um terreno na entrada do município de Solidão. Uma verdadeira tortura para os moradores que transitam todos os dias pela cidade, na expectativa de serem contemplados com uma delas.
As cisternas, feitas de polietileno, foram adquiridas pelo Ministério da Integração Nacional (MIN) como parte da ação do programa Água para Todos para atender as famílias da Região Nordeste. O primeiro lote de 60 mil unidades foi comprado em novembro de 2011 por R$ 210 milhões, através de licitação que teve como única concorrente a empresa mexicana Dalka, que no Brasil tem o nome fantasia de Acqualimp. A licitação foi realizada pela Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), que também coordenou os pregões eletrônicos para contratação das empresas responsáveis em instalar as cisternas em oito estados da região Nordeste e em Minas Gerais. Em Pernambuco, a Engecol, sediada em Petrolina, ganhou a concorrência para instalação de 22.679 cisternas.
Somando os valores da compra da cisterna de polietileno e da instalação, cada unidade custou em média R$ 5.090 para os cofres públicos, quase o dobro do preço das cisternas de placa (alvenaria), até então únicas construídas no País por ONGs que recebem apoio financeiro do Governo Federal. Cerca de 500 mil cisternas de placas, que custam em média R$ 2.500, já foram construídas no Brasil. Alegando que, apesar de mais caras, as cisternas de polietileno são mais duráveis, resistentes e, principalmente, mais rápidas de ser instaladas - tendo em vista a urgência das famílias que enfrentam a seca -, o Ministério da Integração Nacional optou em adotar essa nova tecnologia. O problema é que a "rapidez" prometida pelo órgão não saiu do papel.
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Mesmo com o serviço atrasado, em dezembro o MIN permitiu um aditivo de R$ 21 milhões para empresa Dalka para aquisição de mais seis mil cisternas. "Essas unidades irão contemplar novas famílias que foram incluídas no programa", argumentou ao NE10 o diretor nacional do programa Água para Todos", Sérgio Duarte. O novo prazo para entrega e instalação das agora 66 mil cisternas foi prorrogado para o final de fevereiro de 2013. "O atraso foi provocado pela decisão, por uma questão de logística, da fabricante (Dalka) construir fábricas próximas aos estados contemplados com as cisternas (foram construídas fábricas em Petrolina-PE, Penedo-AL, Teresina-PI e Montes Claros-MG). Mas hoje o programa segue acelerado. Dessa primeira licitação, 41 mil cisternas já foram instaladas no Nordeste, sendo cerca de 19 mil Pernambuco", explica Duarte.
Sem ter visto ainda nenhuma cisterna instalada, Dona Damiana, em Solidão, já perdeu toda a plantação de feijão e milho. A maior dor, porém, foi a morte dos seus dois garrotes, cujo empréstimo de R$ 2 mil para comprá-los ainda nem foi pago. Damiana reza todos os dias para que Amorosa, Maravilha e Coração, as únicas três vacas, consigam sobreviver em um pasto onde até as folhas secas estão acabando. "Não sei o que será de mim se elas morrerem", afirma, sem conter as lágrimas.
Outros fatores que podem ter contribuído com o atraso no serviço foram a demora na remoção de 500 cisternas que apresentaram defeito dias após a instalação e também no cadastramento das famílias beneficiadas, realizado por comitês formados, em cada município, por representantes dos sindicatos de trabalhadores, associações, igrejas e prefeitura - sob acompanhamento da Codevasf.
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