Em 10.2.2016, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou importante acórdão que tratou, em sede de embargos de divergência, da aplicação do instituto da denúncia espontânea na hipótese em que o contribuinte realiza, na ausência de procedimento fiscal, depósito judicial do débito em atraso, objetivando a discussão de sua validade junto ao Poder Judiciário.
A tese analisada pelo STJ é no sentido de que o art. 138 da Lei n. 5172, de 25.10.1966 (Código Tributário Nacional - CTN), seria aplicável às hipóteses em que o contribuinte, ao invés de realizar pagamento do seu montante integral, deposita judicialmente o débito fiscal em atraso.
Os argumentos utilizados pelo contribuinte em juízo, visando à equiparação dos efeitos fiscais do pagamento ao depósito judicial, foram, em síntese, os seguintes:
- ofensa ao princípio da igualdade, ao se tratar de forma desigual situações equivalentes (pagamento x depósito);
- desrespeito ao direito de acesso ao Poder Judiciário, uma vez que a não aplicação da denúncia espontânea implicaria onerosidade para contribuintes que estivessem na situação em questão;
- equiparação do depósito judicial ao lançamento tributário, conforme a jurisprudência do STJ;
- equiparação dos valores depositados ao pagamento em pecúnia, em razão de já estarem à disposição da União, conforme a Lei n. 9703, de 17.11.1998; e
- criação de privilégio indevido aos contribuintes que obtém liminar judicial, em detrimento daqueles que realizam o depósito, uma vez que, sendo cassada a liminar, haveria a possibilidade de recolhimento do crédito tributário sem a incidência de multa no prazo de 30 dias, nos termos do parágrafo 2º do art. 63 da Lei n. 9430, de 27.12.1996.
A despeito dos fundamentos apresentados acima, a Primeira Seção, por maioria de votos, entendeu que apenas o pagamento integral do débito, seguido de sua confissão, é apto para dar ensejo à denúncia espontânea.
Isso porque, segundo o Tribunal, a denúncia espontânea estaria privilegiando um comportamento moral e valorativo de arrependimento e sinceridade por parte do infrator, o que lhe permite, em troca, ter excluída a responsabilidade pela infração como um verdadeiro perdão legal, o que não ocorreria no caso dos contribuintes que depositam em juízo e, com isso, permanecem discutindo a validade do débito. Confira-se:
"(...) O instituto da denúncia espontânea é costumeiramente tratado pela doutrina com enfoque axiológico no comportamento considerado moral e adequado de o infrator de forma espontânea adiantar-se à Administração Tributária, denunciar-se e pagar, se for o caso, o tributo devido. Tal conduta ética traduzida em arrependimento e sinceridade do contribuinte lhe traz o benefício da exclusão da responsabilidade pela infração em verdadeiro perdão concedido pela lei (...)".
Além disso, decidiu o STJ que a aplicação do instituto da denúncia espontânea também deve ser analisada sob o que chamou de "aspecto econômico", na medida em que esse instituto tem por finalidade a diminuição do custo administrativo (custos de fiscalização e de cobrança do crédito tributário), no contexto de uma relação de troca com os custos de conformidade do contribuinte.
Ao analisar a questão sob esse viés, a maioria dos julgadores entendeu que o depósito judicial não atenderia à finalidade econômica cogitada, na medida em que não houve a referida troca de custos, já que o depósito necessariamente impõe nos custos para a Administração Pública, que deve ir a juízo discutir a existência do crédito tributário. Confira-se o seguinte trecho do voto do Ministro Relator Mauro Campbell Marques:
"(...) Contudo, além do campo valorativo, ético e filosófico sobre o qual está alicerçada a denúncia espontânea, deve-se analisar o aspecto econômico que também permeia o instituto em questão, consoante orientação já demonstrada, ainda que de forma implícita, por este Superior Tribunal de Justiça.
(...)
O referido doutrinador parte do raciocínio de que a denúncia espontânea se opera sob a ótica de relação custo-benefício da Administração Tributária, tendo em vista que o mecanismo do lançamento por homologação - que consiste na antecipação do pagamento do tributo pelo contribuinte sem o prévio exame da autoridade - somado à obrigação tributária acessória de entregar documento onde é feita a declaração e confissão de créditos e débitos constituindo, dessa forma, o crédito tributário em substituição ao lançamento que deveria ser realizado pela autoridade administrativa, consubstancia política tributária que diminui o custo administrativo (custo da Administração Tributária) e impõe um novo custo de conformidade ao contribuinte aumentando seu custo total.
Dessa forma, a denúncia espontânea somente se configura quando a Administração Tributária é preservada dos custos administrativos correspondentes à fiscalização, constituição, administração, cobrança administrativa e cobrança judicial dos créditos tributários. Tal é a denúncia espontânea, uma relação de troca entre o custo de conformidade (custo suportado pelo contribuinte para se adequar ao comportamento exigido pelo Fisco) e o custo administrativo (custo no qual incorre a máquina estatal para as atividades acima elencadas) balanceado pela regra prevista no art. 138 do CTN (...)".
Essa visão dada pelo STJ ao instituto da denúncia espontânea é inovadora e poderá impactar outras discussões relevantes relativas à referida matéria. Mas é necessário haver cautela na transposição desse entendimento a outras situações.
Tome-se como exemplo a controvérsia existente em relação à aplicação ou não do instituto em estudo nas hipóteses em que o contribuinte denuncia o débito fiscal e, concomitantemente, realiza a quitação integral da dívida mediante compensação tributária.
Analisando o exemplo acima sob o mesmo enfoque dado pelo STJ, observa-se que está presente, na compensação, o comportamento moral e valorativo de arrependimento do contribuinte ao lançar e quitar o seu débito, ainda que mediante a utilização da sua posição de credor junto ao Fisco. Considerando que o contribuinte que realiza compensação, nos termos do art. 74, parágrafo 6º da Lei n. 9430, de 27.12.1996, confessa o débito compensado, verifica-se, em tais situações, o arrependimento e a sinceridade do contribuinte, como requer o recente precedente em estudo.
Já no caso do aspecto econômico do instituto da denúncia espontânea acima analisado, a associação da situação dos depósitos judicias com as hipóteses de compensação não é tão clara.
Se de um lado é certo que, nos casos de compensação, a Administração Pública não precisará discutir a existência do tributo em juízo, como ocorre no caso dos depósitos, também não se pode ignorar o fato de que a compensação impõe ao Fisco o ônus de homologar o procedimento do contribuinte no prazo de cinco anos. Tal ônus, em princípio, pode implicar maior custo ao Erário em relação às hipóteses de pagamento em dinheiro.
O exemplo da compensação, comparado com o de depósito, mostra como se deve ter cautela na transposição do entendimento exarado pelo STJ a outras situações. Até mesmo porque, a relação custo-benefício ao Erário não consta do texto da lei e não pode ser levada como uma condição legal em qualquer hipótese.
Ademais, não é simples a identificação dessa relação custo-benefício em todos os casos. A todo rigor, a efetiva consideração desses fatores demandaria estudos econômicos mais aprofundados. E mesmo assim não seria tarefa simples a obtenção de informações precisas, pois qualquer análise poderia estar sujeita a variações e oscilações, a depender da profundidade da pesquisa.
Interessante notar também que a mesma conclusão a que chegou o STJ poderia ter sido alcançada se a referida decisão analisasse a questão do depósito na perspectiva estritamente jurídica.
Isso porque o pagamento é hipótese de extinção do crédito tributário, ao passo que o depósito é hipótese de suspensão da exigibilidade, tanto quanto o parcelamento, para o qual a jurisprudência é pacífica, de longa data, no sentido da inaplicabilidade do art. 138 do CTN (vide Súmula n. 208 do extinto Tribunal Federal de Recursos [1]). Ademais, a extinção do crédito tributário, operada pelo pagamento, poderia estar em harmonia com o enfoque axiológico e valorativo da denúncia espontânea dado na primeira parte da decisão em estudo. Significa dizer, então, que, a todo rigor, a questão da citada relação custo-benefício sequer precisaria ser invocada pelo STJ, o qual poderia alcançar a mesma decisão adotando fundamentos jurídicos mais sólidos e precisos.
Dessa forma, o enfoque econômico dado à interpretação do instituto da denúncia espontânea, embora relevante e bem destacado na decisão, a nosso ver, não pode ser tratado como um requisito indispensável à configuração da denúncia espontânea, eis que: (i) não consta do texto do art. 138 do CTN; e (ii) não é determinante para a conclusão de não aplicação do instituto às hipóteses de depósito.
Portanto, a decisão do STJ apresenta uma nova perspectiva de interpretação a ser dada à denúncia espontânea. Esta nova visão poderá impactar outras discussões relativas à aplicação do instituto, mas é recomendável cautela na transposição do precedente a outras situações, sob pena do desvirtuamento de instituto tão relevante em Direito Tributário.
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[1] A Súmula n. 208 está assim redigida: "A simples confissão de dívida, acompanhada do seu pedido de parcelamento, não configura denúncia espontânea".
Elaborado por:
Bruno Fajersztajn
Mestrando em Direito Tributário pela USP. Advogado.
E-mail: bf@marizsiqueira.com.br
Maicon Galafassi
Graduado em Direito pela USP/SP. Especialista em Direito Tributário pelo IBDT. Advogado em São Paulo.
E-mail: mg@marizsiqueira
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