É curioso que após quase 20 anos escrevendo sobre trabalho e mais de 30 de profissão, eu tenha feito minha maior descoberta por acidente, na cozinha de casa. Tudo começou com uma queda. A cadeira vitoriana da mesa de jantar, que aguentou meu peso com uma relutância crescente nas últimas duas décadas, finalmente quebrou há dois meses. O tecido rompeu e meu traseiro atravessou o assento, deixando-me presa na moldura como um guardanapo em um anel de metal.
Soltei-me e levei a cadeira quebrada para o porão, junto a outras colegas no cemitério de cadeiras. Enquanto percorria com os olhos aquele cenário desolador, senti que deveria fazer alguma coisa com aquilo.
Então, peguei meu iPad e encomendei livros, ferramentas, pregos, tecidos, sacos de estopa, algodão, uma coisa chamada scrim (tecido de algodão ou linho, geralmente usado para forros), agulhas de 10 polegadas, esticadores de tecidos e um saco de 5 kg de pelos de animais (80% de porco e 20% de vaca).
Essa é uma das maravilhas da vida moderna: um toque e uma tela eletrônica, e todo o kit necessário para se exercer uma atividade antiga pode ser entregue na porta de sua casa. Enquanto esperava as encomendas, assisti a um vídeo no YouTube, de um senhor, de respiração pesada, costurando molas em um acolchoado. Vi, então, que o estofamento iria ficar maravilhoso. Mas não sabia o quanto.
Passados dois dias, descobri a forma platônica do trabalho. Até onde posso ver, a única pessoa no mundo a ter feito essa descoberta é - meio que inesperadamente - Pamela Anderson. Ela disse em uma entrevista que a arte da tapeçaria é melhor que qualquer terapia.
É claro que nem tudo é uma maravilha nesse tipo de coisa. Minhas mãos ainda carregam as marcas de pregos e marteladas mal dadas. Há pelos de animais por todas as partes, até mesmo nas tigelas de cereais. A bagunça é prodigiosa, as marteladas - e os xingamentos - não têm fim.
Mas não importa. Quando estou arrancando velhos pregos ou enchendo os estofamentos que fiz com pelos de porco, posso me manter concentrada por horas. Nunca sinto a menor vontade de conferir meus e-mails. E depois do trabalho, sou tomada por uma sensação de grande contentamento.
Isso prova uma coisa da qual eu suspeitava há muito tempo: perder-se é uma ideia bem melhor do que se encontrar. Também sei há tempos que o trabalho é a melhor forma que existe para se perder - você não sente ressaca ou culpa depois de concluir suas obrigações. Mas o que eu não sabia é que a tapeçaria oferece mais do que uma perda interior total. Com um martelo nas mãos, fico motivada e determinada, viro uma estudante dedicada.
A tapeçaria também deixou o mundo mais fascinante para mim do que antes. Quando vejo fotografias da rainha Elizabeth II nos intermináveis suplementos sobre o jubileu de diamante, meus olhos se desviam todas as vezes para onde ela está sentada, e dúvidas urgentes surgem na minha cabeça. Com que frequência o veludo vermelho do trono é substituído? Aqueles enfeites dourados são presos com pregos coloridos ou com cola?
Eu adoraria preencher o resto desta coluna discutindo essas questões, mas aprendi que as pessoas tendem a ficar entediadas quando começo a falar sobre os arranjos ideais das molas em uma cadeira de balanço ou da possibilidade de se reutilizar crina de cavalo.
Portanto, vou deixar o martelo um pouco de lado e fazer uma pergunta mais genérica. O que é que torna esse tipo de trabalho tão perfeito? Posso pensar em um monte de razões. Primeiro, ele é solitário e, portanto, não há chefes, subalternos ou pessoas desagradáveis com seus problemas desagradáveis. Segundo, não envolve computador. Terceiro, consertar coisas faz bem para a alma. Quarto, ver o resultado é uma coisa que provoca satisfação - e sentar-se sobre ela é melhor ainda. Quinto, é um trabalho repetitivo (de modo que você vai ficando melhor) e sexto, é variado (você nunca fica entediada).
Minha nova carreira como tapeceira deu mais peso à nova e moderna teoria da motivação sustentada por Daniel Pink, o escritor, que diz que ansiamos por três coisas no trabalho: autonomia, domínio e propósito. Tenho autonomia em meus trabalhos de tapeçaria, já que ninguém me diz o que devo fazer. Eles envolvem habilidade, já que estou melhorando o tempo todo - a última cadeira que recuperei ficou muito boa. Mas será que eles têm propósito?
Pink define isso como "nosso anseio de nos conectar a algo maior que nós mesmos". Aqui, ele errou. Na verdade, eu tenho uma forte preferência por trabalhar em cadeiras que são menores do que eu - as maiores são muito difíceis.
No entanto, ele pode estar certo quando diz que o trabalho precisa de um propósito: não consigo pensar em nenhuma atividade com mais propósito do que fazer alguma coisa segura para se sentar.
Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira
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Fonte:|http://www.valor.com.br/carreira/2697580/trabalho-manual-e-chave-pa...
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