Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Fonte:|valoronline.com.br|




Reza a lenda - e o que você lerá aqui hoje é apenas uma lenda - que um guru chinês empoleirou-se no alto do organograma de uma
gigantesca estatal, e, de lá, recebia peregrinos ocidentais, desejosos
de compartilhar de sua sabedoria. Queriam saber, por exemplo, por que
tantas autoridades e colunistas econômicos passaram a falar tanto da
China, com travos de reprovação. "Porque temem", respondia o guru. E
falava do medo dos críticos, assombrados com o fantasma do desemprego em
massa nas fábricas ocidentais, incapazes de competir com os produtos
chineses.

E por que a China, tendo em mãos o segredo da harmonia com o mundo ocidental, não atendia aos pedidos para afastar o temor, indagaram ao guru. "Porque o medo se dirige ao lugar errado", disse. "Se a China
deixar de vender produtos aos temerosos, outros países da Ásia o farão, e
o medo só mudará de lugar."

A resposta não agradou a alguns peregrinos, que costumavam acusar a China de agir deslealmente, usando sua milenar habilidade de prestidigitação para manter a moeda nacional, o yuan, artificialmente
abaixo das outras moedas mundiais.

"É uma acusação injusta. Nós, com a temperança que a experiência recomenda, estamos elevando nossa moeda", insistia o ancião. Dias atrás, após uma pausa, acrescentou, sorrindo ligeiramente: "Por que vocês
olham apenas para a China? De onde estou, vejo que os governantes, em
países cheios de riqueza, também fazem as mágicas a seu alcance para
que as moedas deles fiquem abaixo das outras, para prejuízo de muitos".

"Não se declara guerra a quem nos ajuda a pagar nossas obrigações"

Ultimamente, quando o abordam com o tema da insensibilidade chinesa, o guru tem alterado quase imperceptivelmente o tom suave de suas preleções, arqueia as finas sobrancelhas e repreende os visitantes. Não
se deve cobrar dos outros o que não somos capazes de fazer, ralha o
macróbio.

Por acaso os sábios nos bancos centrais dos países ricos, às voltas com suas dificuldades, se dão conta dos problemas que vêm causando aos outros?", indagou, numa tarde dessas, com irritação inusitada. "Por
acaso veem que seus esforços para aquecer o ambiente onde vivem sopram
bolhas tóxicas sobre a cabeça dos vizinhos?"

Um peregrino ansioso voltou a dizer que a China deveria agir para acabar com a aflição com a perda dos empregos no mundo ocidental. "Na China, o povo solicita todo ano dez milhões de empregos e, ao receber o
que pede, ajuda a paz a reinar no país. Não seria justo curar a aflição
dos outros afligindo os nossos", disse o guru. "São quase cem milhões os
que trabalham para vender mercadorias modernas, que alegram a vida dos
outros povos. Seria injusto jogá-los na rua, porque há gente aflita além
de nossas muralhas."

Mas, se os chineses não agirem para minorar o sofrimento dos outros povos, os países poderão fechar as portas à China, e todos sairiam perdendo, argumentou o peregrino. "Antes de fechar as portas, pessoas
sensatas saberão que é melhor olhar pelas janelas", recomendou o chinês.
"E pela minha janela, noto que são ocidentais metade dos vendedores que
aqui estão, fabricando para mandar suas mercadorias além das nossas
estradas e fronteiras."

Por considerar indelicado falar em dinheiro, o guru evitou citar explicitamente os papéis da dívida de certo Tesouro ocidental, que costuma recorrer aos chineses para pagar suas contas. "Não se declara
guerra a quem nos ajuda a pagar nossas obrigações", insinuou, apenas.

Incomodados, alguns viajantes às vezes desafiam o guru, acusando-o de defender o egoísmo chinês. Se, em vez de se preocupar apenas em vender, os governantes na China incentivassem seu povo a comprar mais, muitas
das queixas contra o país se transformariam em elogios, afirmam. Quando
surge esse argumento, o guru cruza os braços, faz uma ligeira inclinação
com o corpo rechonchudo e desenha-se em sua face o sorriso benevolente
que guarda para visitantes importunos.

"Vejam vocês, todas as coisas boas tem seu lado mau, todas a virtudes podem um dia transformar-se em vício", discursa ele. "Graças aos esforços de meu laborioso povo, as pessoas em outras terras puderam
alegrar-se com bens mais baratos, e os economistas puderam regozijar-se
vendo seus gráficos de preços inclinar-se para baixo, como ramos de
bambu vergados por generosa ventania."

Além disso, segue o guru, a sabedoria popular ensinou aos chineses que poupar para tempos de escassez é uma qualidade das famílias honradas. "Só a prosperidade que se avizinha mostrará que o gozo das
riquezas da vida também está de acordo com a boa natureza", ensina.

Aos mais exasperados, que acusam a China de empurrar o mundo para o colapso e comprometer sua própria ascensão como potência mundial, o guru pede paciência. "De onde estou, vejo mais longe, e também percebo como é
curta sua compreensão da história", fala o chinês, condescendente.
"Isso que você diz ser uma 'ascensão' nós consideramos uma volta ao
estado natural das coisas", explica.

"Não se esqueça, o Império do Meio foi a maior potência do mundo em boa parte de nossos cinco mil anos de história, e só por uma pequena pausa as coisas ficaram fora do lugar." Felizmente, comenta ele, essa
pausa na predominãncia chinesa no mundo durou o breve período de menos
de dois séculos.

Sergio Leo é repórter especial

E-mail sergio.leo@valor.com.br




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