Os grampos do senador, por Paulo Moreira Leite


Da Época

Os dois grampos do senador

Por Paulo Moreira Leite

Vamos combinar que o senador Demóstenes Torres (DEM), de Goiás, não deve ser uma conversa boa ao telefone.

Demóstenes foi o interlocutor de Gilmar Mendes, ministro do Supremo, naquele célebre grampo que se transformou num dos grandes escândalos do governo Lula – até que, no finzinho de 2010, quando ninguém prestava atenção nos jornais,
a Polícia Federal divulgou o resultado de um inquérito dizendo textualmente que não encontrara um fiapo de prova sequer sobre a realização do grampo.

Ninguém pediu desculpas nem maiores esclarecimentos, embora a confusão tenha produzido a queda de Paulo Lacerda, o diretor geral da ABIN. Numa reação que parecia o prenúncio de uma crise institucional, no auge da denúncia Gilmar Mendes prometeu chamar o presidente Lula “às falas.”

vidade está nos grampos que reproduzem diálogos entre Demóstenes e o bicheiro Carlinho Cachoeira.

Com a tranquilidade de quem conversa com um celular vendido em em Miami com a garantia de que era à prova de escutas, os diálogos acabaram complicando a situação do senador. Demóstenes é ouvido quando pede para Cachoeira “pagar uma depesa com taxi-aéreo no valor de R$ 3.000.” Também é ouvido transmitindo informações de
caráter confidencial sobre reuniões no governo, no Congresso e mesmo no Judiciário.

Considerando o acesso do senador à cúpula dos poderes, pode-se imaginar que eram informações bem valiosas, não é mesmo?

Carlinhos Cachoeira é um personagem eclético das finanças políticas do país. Não custa lembrar que foi gravado quando negociava propinas com Valdomiro Diniz, ligado ao esquema financeiro do PT. Também tem ligações com tucanos e políticos do DEM e do PP.

Não sou moralista e não acho que episódios dessa natureza digam respeito ao caráter das pessoas. (Só acho que os falsos moralistas, que denunciam nos outros aquilo que fazem, deveriam deixar os eleitores mais atentos). O problema não é o bicheiro. É o sistema que está bichado.

A circulação de dinheiro clandestino na política brasileira é uma consequência de um sistema de finanças destinado a alugar os poderes públicos e transformar os políticos em servidores do poder econômico. Pode ser um empresário com todos os papéis em ordem, ou um bicheiro. Enquanto não se mudar esse sistema, teremos episódios desse tipo. O próprio sistema gera suas leis e suas regras de competição.

Não custa aguardar, porém, pelo desfecho deste caso. Há duas semanas os dados sobre Demóstenes foram enviados à Procuradoria Geral da República que ainda não decidiu abrir inquérito. É estranho, quando se recorda da rapidez com que outros casos foram apurados. O grampo falso de Demóstenes com Gilmar Mendes produziu uma crise política, abriu demissões na cúpula do Estado e colocou o governo Lula numa posição defensiva até que tudo fosse esclarecido.
O grampo verdadeiro ainda não levou a nada. Curioso, nao?