Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Jornada dupla: Murilo Ferreira, na Vale e na Petrobras

A uma semana de se tornar o presidente do conselho de administração da Petrobras, o CEO da Vale, Murilo Ferreira, ainda tem que resolver um pepino de proporções épicas no seu emprego principal.

A queda avassaladora do preço do minério no mercado internacional — de 120 dólares/tonelada para cerca de 50 dólares — deprimiu a geração de caixa da Vale e está fazendo o endividamento da empresa subir aceleradamente.

Murilo FerreiraNo final do ano passado, a dívida da Vale equivalia a apenas 1,8 vez sua geração de caixa (EBITDA). Mas se o preço do minério continuar onde está e a empresa não vender nenhum ativo para abater sua dívida, o endividamento terminaria este ano em astronômicas 5 vezes o EBITDA — o que poderia levar a empresa a perder o seu sagrado ‘grau de investimento’ junto às agências de crédito. (Essa conta assume uma geração de caixa de apenas 5,7 bilhões de dólares em 2015 e uma dívida líquida — sem venda de ativos — de 29,1 bilhões de dólares.)

E a coisa pode piorar. A Goldman Sachs prevê que o preço do minério vai cair dos atuais 51 dólares para 40 dólares até 2017 e 2018. Ou seja, se a Goldman estiver certa, a Vale tem pelo menos mais três anos para atravessar “no osso”. (De acordo com o banco, a demanda por aço da China atingiu seu pico em 2014.)

Conhecido por ser metódico como um japonês e trabalhar em silêncio (ele é mineiro de Uberaba), Murilo, como é mais conhecido, está trabalhando em muitos fronts. A Vale está demitindo pesado na sua sede corporativa, no Rio; está negociando a venda de minas de carvão e logística em Moçambique, bem como a venda de navios; e em breve vai usar alguns de seus projetos que já geram caixa para emitir ações preferenciais resgatáveis (que pagam dividendo e podem ser recompradas no futuro).

Mas os investidores dizem que a Vale está apenas correndo atrás do prejuízo — metafórica e literalmente — pois deveria ter se preparado melhor para este tempo de vacas anoréxicas. “O trabalho de um CEO de empresa cíclica é não ser pego no contrapé do ciclo, e a Vale foi,” diz um gestor que acompanha a Vale há muito tempo. “A Vale deveria estar se redimensionando e voltar ao patamar de 2005 em termos de pessoal, de base de ativos e dos custos operacionais, porque o mercado voltou a estes níveis.”

Outro gestor, também com quilometragem de Vale, diz: “Desde que o Murilo sentou naquela cadeira, ele está focado em corte de custos. Se foi na velocidade certa ou na intensidade que precisava, ou se teve pressão para não fazer, isso eu não sei dizer.”

A queda do preço do minério está sendo especialmente devastadora para a Vale porque a empresa está no meio de um gigantesco projeto para expandir sua operação em Carajás, de onde ela tira o minério com maior teor de ferro. A expansão da área conhecida como ‘Carajás Sul’ vai reduzir o custo operacional da Vale em até 10%, mas custa caro. A empresa ainda tem que investir 7 bilhões de dólares entre este ano e o próximo, e a expansão só vai entrar em operação em 2017.

“A Vale atrasou o início desse investimento, que já deveria ter sido concluído. Ela está na contramão, e por isso está sofrendo duplamente: primeiro, porque o preço do minério está lá embaixo, segundo, porque ainda está tendo que fazer esse investimento.”

Infelizmente para os acionistas da Vale, ela não é a única empresa aumentando a oferta de minério nos próximos anos. Juntas, a Vale, a BHP e a Rio Tinto vão adicionar 310 milhões de toneladas ao mercado nos próximos quatro anos — um aumento de oferta de cerca de 25% em relação ao tamanho do mercado atual, de 1,2 bilhão de toneladas. Isso tudo enquanto o maior cliente — a China — vê sua economia crescer cada vez menos.

“Essa irracionalidade de oferta está agravando o problema e adiando o dia em que o mercado vai ver a luz no fim do túnel,” diz um gestor.

Mas, há cerca de um mês, começaram a surgir sinais de racionalidade. Uma grande empresa júnior na Austrália, a Atlas, fechou as portas. O governo chinês cortou impostos das mineradoras do país, e o da Austrália postergou o prazo de pagamento de royalties para ajudar o setor. Uma grande mineradora, a Fortescue, está demitindo agressivamente. E, ontem, a BHP anunciou que está adiando um investimento de 600 milhões de dólares para reduzir os gargalos num grande porto australiano — telegrafando ao mercado que sua produção vai crescer menos que o esperado nos próximos anos. (A notícia fez o minério subir e a ação da Vale ganhou mais de 9% ontem.)

Se estes sinais apontarem o fim do ciclo de baixa, a Vale vai respirar aliviada.

Por linhas tortas, talvez Murilo seja mesmo o cara certo para a presidência do conselho da Petrobras. Tanto a Vale quanto a petroleira enfrentam dinâmicas parecidas, e a necessidade urgente e profunda de repensar seu tamanho e balanço. (A dificuldade é que, de acordo com os críticos de Murilo, esta urgência não foi a marca de sua gestão na Vale, talvez por limitações fora de seu controle.)

Assim como a Petrobras, mesmo privatizada a Vale continua sendo uma empresa onde a lógica política pode ser tão imperativa quanto a lógica comercial.

Os sucessivos desgastes de ex-comandantes da empresa com o Planalto — de Benjamin Steinbruch a Roger Agnelli — expressam essa confusão no DNA da empresa.

Ilustrando essa ambiguidade, desde a privatização o Estado brasileiro tem uma ‘golden share’ na Vale: o direito de vetar uma série de decisões, incluindo “qualquer alienação ou encerramento das atividades” de minas, ferrovias ou portos da Vale. (Isto sim, “culpa do FHC”)  Na Petrobras, não há golden share, mas a ambiguidade é a mesma: a empresa não sabe se trabalha para o Governo, para os políticos que a loteiam, ou para todos os seus acionistas.

No mercado, muita gente questiona se Murilo, que começou na Vale como analista em 1977 e se tornou CEO há quatro anos, deveria mesmo aceitar a ‘missão Petrobras’, um cargo que lhe exigirá inúmeras horas de leitura, conversas desagradáveis, dedicação intensa, e o risco de processos. Mas há quem entenda seus motivos.

“Ele já tinha dito não à Presidente duas vezes, uma para ser ministro, outra para presidir a Petrobras,” diz um gestor. “Ele não está indo por opção. Está indo porque foi obrigado.”

Por Geraldo Samor

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