Ah, ontem à noite o Coroinha me chamou.Coroinha é o Theo Coroinha Martins Paoliello. Um guri simpático, de fala mansa, que estuda na Escola de Minas de Ouro Preto, é bom de calculo e manco em termodinâmica e um gênio em manter a tradição da Republica Pureza unida através dos anos.A escola de Minas e sua REPUBLICAS esta para nos ex-alunos, como Meca esta para os Maometanos. Alias o vinculo ainda é mais forte. Sempre retornamos muitas vezes a Ouro Preto durante a nossa vida e certamente visitamos sempre as nossas REPUBLICAS, onde podemos apreciar a continuação de nossas vidas, vividas por seres de menos idade. É uma experiência indizível, onde muitas vezes, já envelhecidos, estamos cheios de conselhos a dar, mas mordemos a língua, pois já o recebemos de uma geração anterior, e de nada nos adiantou. Vemos a tradição dos “amassos” às gurias, da baderna inocente, da exploração de “penetras” bebendo o nosso trago, das noitadas de “golo”, das noitadas boemias, e por ai vai. Quando visitamos nossas Republicas, nos, os coroas, respeitamos os excessos dos jovens, desses exageros que algum dia já foram os nossos, e benevolentemente, cuidamos de um guri ou outro que esta perto de “decolar” ou de “capotar”, com carinho, sem palavras, com muito amor. Esses guris somos nós jovens: Nossos clones de tradição; eles são a continuação de nossa vida verde e jovem; eles a perpetualização em forma de vida na instituição da REPUBLICA.As Republicas de Ouro Preto, tem linhas de conduta com pequenas variações: Umas são mais inclinadas a ganhar gurias; outras são de estudantes mais “ferradores”, estudiosos; outras são mais inclinada a boemia, como a do querido João Bosco, que era lá pros lado da casa o Ivan Scliar, pintor famosíssimo, radicado em Ouro Preto por muitos anos. Alias ambos, o João Bosco e eu aprendemos algo com o Vinicius: O João aprendeu a ser um mestre ma musica e eu um mediano escritor. Quanto a REPUBLICA PUREZA (e também a nossa vizinha e co-irmã VATICANO), temos uma forte tradição mista de “golo”, gurias, hospitalidade e bagunça e somos orgulhosos dessa confusa mescla de atributos que é o nosso DNA, a nossa marca registrada.Em Ouro Preto o tempo parece ter parado no tempo. Nós envelhecemos e a cidade é a mesma dos nossos dias jovens, a mesma dos nossos falecidos mestres, a mesma dos inconfidentes. Mesmice, e tradição andam de mãos juntas, daí as coisas em Ouro Preto são sempre tradicionais. A gíria da Escola de Minas pouco muda, nossas Republicas tendem a manter a sua tradição, o povo local é ainda dado a procissões.A nossa Escola também tem o seu repositório de tradições: foi fundada pelo cientista “iluminati” Frances, Claude Henri Gorceix, com os auspícios de Dão Pedro II em 12 de Outubro de 1876. Para nos Ex-Alunos, esta data é como Sete de Setembro, Natal, Hannukah, Peisach ou ano novo. O “Doze” para nos é data inesquecível. Mas para nos da Pureza o “Doze de Outubro” é data duplamente importante, pois a nossa Republica foi criada nessa data.No ano passado estive na Pureza no “Doze”, recebendo dos “Puros” uma singela homenagem. Na parede dos ex-alunos formandos, há uma seção especial com a minha foto de guri de 21 anos e do outro lado, eu com 59 anos, com minha esposa Silvia e a netinha Elizabeth. Foi um momento de muita emoção e eternamente guardarei essa preciosa lembrança que foi encabeçada pelo Coroinha - e abraçado por todos os demais Puros. Nessa ocasião havia quatorze mil litros de cerveja entre a Pureza e Vaticano.Copos especiais com o logotipo da Escola de Minas e da Republica Pureza foram feitos, bem como camisetas especiais comemorativas da ocasião, feitas para os ex-alunos e suas esposas. Era azul escura com o logo da pureza do lado do coração e nas costas um par de asas, com o nome da Republica e escrito “12 de Outubro de 2010”Ontem à noite, perto das dez, o computador me chamou através do SKYPE. Era tarde, noite de outono fria, e quem poderia ser? Era o Theo Coroinha. Perguntava se eu estaria presente nesse próximo “Doze”.Respondi que não e expliquei, verdadeiramente, que estou para fazer uma viagem de negocio a qualquer dia para ISPARTA, Turquia e que esse ano não daria para ir. Theo se lamentou e disse que o Venerável Professor Dr. Cassini ( O Fogo-Eterno) por lá já estava bebericando com o Eng. Waldomiro Mancini (“Malinha” Pesada), ambos começando a “jornada” do Doze com cinco dias de antecedência. O Doze será na quarta nas as atividades de festas terminarão só no sábado a noite, no dia quinze. Haja “golo” haja fígado. Mas pelo menos a Pureza e Vaticano, diminuíram na dose de cerveja, Seria a recessão? Quase que apologeticamente o Coroinha me disse que esse ano, entre as duas Republicas, era só ONZE MIL LITROS!Muitos da turma antiga estarão lá. Há uns poucos recalcitrantes: Estamos ainda tentando re-converter o Bodão, que ainda este bravo conosco por conta da “Sacanagem do Sabonete Premiado”, e o Bekowitz, que muitos anos após a saída da PUREZA, ao retornar a fé antiga, nos repudiou por conta do seu apelido “Judeu”, a ele dado ainda antes do meu tempo. Alias estou na comissão do recapturação do Berkowitz, e argumentarei que esse apelido deveria ser usado como uma comenda de Honra ao Mérito visto equacioná-lo com o sangue do Grande Rabino Jesus.Ah, o Coroinha e eu falamos do Baiano “Chibungo” (Luis Carlos de Sá) que velho retornou da Franca, e quebrado foi a Republica, onde foi cuidado, emprego obtido no Belo, onde lá, ele, em seguida, morreu. Falamos do Malinha, do Bodão, do Paulo Secco de São Paulo, que era tão magro que recebeu o nome de “Biafra”. Falamos do “Grilo” e do “Guri”, ambos do Rio, do “Landero” de Cachoeiro, e muitos e muitos outros. Falamos sobre o Newton “Esculacho” Moraes, de Minas (ate hoje desaparecido), que junto ao Cesar Maia, o “Do Cuzão”, ex-prefeito do Rio, andavam angariando fundos de bancos de Belo Horizonte, lutando contra a Ditadura... A ditadura essa que me fez partir, que me trouxe a America, bem descrita no Personagem do Bino Tedesco, no meu livro O PAPA BESOURO (para adquiri-lo: Roberta Livi, roberta_livi@hotmail.com) que foi escrito na base das lagrimas.O Coroinha me mostrou as novas camisetas do Doze de 2011. Prometeu mandar uma para Silvia e eu. Mandar-me-á também o telefono do Berkowicz, e já ate treinei um belo “Sahlom Aleichum” para desarmá-lo! Com o meu laptop, fui mostrando ao Coroinha a minha casa. Começou tudo com os muitos quadros que tenho do Ouro Preto, muito deles do ex-aluno Milton Passos, do George Washington, Esteves, depois mostrei a minha casa toda cheia de plantas, já tropicalizada para o inverno que chega. Silvia estava um pouco brava: Eu de cuecas andando pela casa de sexta à noite, desarrumada, mais parecendo uma Republica. Eletronicamente Coroinha entrou em casa. Mostrei também à luz de lampadas, as minhas arvores frutíferas a sala de exercício quase nunca usada. Cabisbaixo, mostrei as garrafas de vinho na “adega” da cozinha, nos quartos de visita, e quando ele me perguntou se eu andava ainda seco e afirmei: “Oito anos, tres meses e 14 dias!Agora todo esse o vinho Frances e só para fazer vinagre e cozinhar - e para o Coroinha quando me visitar: Tudo é dele.Sobre essa questão de sacrilégio, de eu andar “Secco” como o Biafra, no Doze de Outubro, o Coroinha soube esconder bem: No ultimo Doze, ele comprou uns dois engradados de Lieber, cerveja sem álcool, e pos um “Bicho” (recém entrado na escola e na Republica) de nome “Bixo” para cuidar que o meu copo sempre estivesse cheio de Lieber, discretamente, e sem ninguém notar que eu me enfraqueci com os anos... Na verdade os meus circuitos internos da cabeça já estão todos conectados com a central do “Cananeu”, do “bebum”. É só tomar duas cervejinhas sem álcool e já estou bem, obrigado; relax, alegre, animado e genuinamente me sentido “alto”, em clima propicio.Pô, no ultimo “Doze” tudo foi bem ate meu ultimo dia: Estava numa roda com o Malinha, Fogo-Eterno, Boca, seu filho que é um grande medico, Weber “Alemão (da Morro Velho Minning), seu filho adolescente e outros - e eis que o Bixo, notando que o meu copo estava vazio, me trás um outro. Malinha passou a mãos no copo e deu uma boa golada... E me olhou furioso como se fosse eu um Calabar, cuspiu a bebida-anátema ao chão e me acusou perante todos: “Tábebendo esse merda sem álcool?”Na voz do querido Malinha havia uma indignação do Quincas Berro D’Água.Ai a minha reputação se foi por terra e subitamente me tornei sóbrio, e tive que explicar as minhas fraquezas e razoes pelas quais não posso, não quero e não devo mais pegar no “golo”. Fui perdoado.Já ia saindo de cuecas para frente da casa na noite fria para mostrar ao Coroinha o meu novo brinquedo, um Fusca Setenta e Dois todo reformado, mas a Silvia me fez por uma bermuda, e mostrei ao Coroinha a casa por fora, as arvores frutíferas, as pereiras, macieiras, pessegueiros; a parreira, as rosas, as bromélias e hortênsias. O fruto do trabalho de um cristal bruto, finalmente se tornando PURO.Nesse pré-Doze de Outubro, eu e o Coroinha éramos pai e filho. Senti muito a sua ausência, a falta da Republica a Saudade de Ouro Preto, do Ouro Preto de mesma cara, mas de folhas verdes.O vento soprava manso e só as folhas mais amarelas caiam das arvores. Fui quieto para o quarto, a dormir - comparativamente com meu quarto na Pureza - no luxo, entre um amontoado de quadros, antiguidades e tranqueiras acumuladas durante uma vida.Quase dormi triste. Sonhei, sonhei e sonhei muito. Sonhei quando Ouro Preto era diferente: Quero dizer, Ouro Preto era o mesmo, mas EU ERA GURI...
http://books.google.com/books?id=PSaSpWdwclkC&pg=PA10&lpg=P...
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