Além de abalar os concorrentes na área de moda popular, a chegada da americana Forever 21 incomodou clientes do Shopping Village Mall, ícone do luxo na cidade
por Bruna Talarico | 21 de Maio de 2014
Muvuca no interior da loja: clima de mercado persa, com música alta e disputa por produtos
Parte do ritual de ir às compras em um shopping center coalhado de marcas de luxo é justamente trazer na mão as sacolas classudas em que as grifes acondicionam os produtos de seus privilegiados compradores. Não à toa, iniciados nesse universo reconhecem a distância o bordô Carolina Herrera, o marrom Louis Vuitton e o azul Tiffanys. No Village Mall, empreendimento dedicado ao varejo chique na Barra da Tijuca, é uma embalagem de outro tipo que chama a atenção, carregada por pessoas que não frequentavam o local até poucos meses atrás. Trata-se da bolsa amarelo-ovo da rede americana Forever 21, feita de plástico, com a referência John 3:16 impressa em preto no fundo menção ao versículo 16 do capítulo 3 do Evangelho de São João, colocada ali por ordem dos fundadores da rede, evangélicos de origem sul-coreana. Desde o dia 22 de março, o povo com a sacola pentecostal dá uma lavada na turma que carrega exemplares das vizinhas mais metidas. Afinal de contas, o preço dos produtos mais caros da Forever (é assim que ela é chamada pelos fãs) não ultrapassa os 200 reais. O desconforto entre os antigos clientes é visível. "O Village Mall não está mais tão exclusivo", avalia a tradutora Sandra Bertoli, de 55 anos. "Passei a vir cedo e de segunda a quinta, quando o público aqui é mais selecionado. Mais tarde já fica difícil de estacionar e tem mais gente circulando", explica.
A tradutora Sandra Bertoli, de bolsa Chanel: horário alternativo para evitar aglomerações
As estatísticas compiladas pela administração do shopping indicam que a abertura da primeira loja carioca da Forever 21 aumentou em 15% o movimento de clientes. Dependendo do horário e do dia da semana, a impressão é que esse número é muito maior. As filas na porta da loja, situada no 2º piso, já não são tão frequentes quanto na época da inauguração, mas as poltronas localizadas nesse ponto do corredor vivem lotadas, quase sempre de maridos e namorados à espera das compradoras, que chegam a passar até duas horas lá dentro é comum até flagrar um ou outro escarrapachado em meio a um cochilo solto por ali. Dentro da loja, o clima é de mercado persa, com música alta, mulheres disputando ofertas nas araras e uma multidão aglomerada em frente aos caixas. Com um pouco de sorte, é possível até ver pseudofamosos como a ex-paniquete Nicole Bahls, que tentava furar a fila na tarde do último dia 9.
O público, naturalmente, não é o mesmo que visita a Cartier ou a Gucci, no piso inferior. Isso não significa que não conheça tendências ou que goste menos de moda. "Costumo conjugar roupas da Renner, C&A e Marisa com algumas mais caras, tipo Zara. A Forever é ótima para essas combinações", diz a técnica em edificações Beatriz Rodrigues, de 20 anos, moradora de Campo Grande, autora de um blog sobre beleza e moda de baixo custo. Convidada a conhecer a loja antes da abertura pela própria marca, Beatriz já esteve mais de vinte vezes no shopping desde então e sonha com o dia em que comprará sua primeira Louis Vuitton no enorme espaço instalado no piso térreo. "Isso andava meio vazio. Atualmente está mais animado, ganhou mais vida", compara.
A assistente social Maria Emília com a amiga Neide Machado: receio de mais surpresas no futuro
A opinião da blogueira não é compartilhada por outras habituées do Village Mall. "Antes da abertura dessa loja, já vinham pessoas de todo tipo para conhecer o shopping dos ricos. Agora, então, a frequência é totalmente diferente. Gostaria muito de entender qual a necessidade de abrir uma loja como essa aqui dentro. Será que eles só vão até aí ou tem mais de onde veio essa?", conjectura a assistente social Maria Emília Cerutti, de 65 anos, que passeava com sua bolsa Gucci na área onde as sacolas amarelas eram mais rarefeitas. "Esse novo público acaba afastando o consumidor original das marcas de luxo", teoriza a advogada Elizabeth Arnild, de 46 anos. Sua filha, a dentista Monique Moraes, de 25, completa o raciocínio: "Não faz mais sentido a Forever 21 estar no Barra Shopping?". Sim, faz. Tanto que a segunda unidade na cidade será aberta lá.
A advogada Elizabeth Arnild com a filha Monique: a Forever 21 afasta o público tradicional das grifes de luxo
Aos clientes que fazem suas digressões sobre a conveniência ou não de a marca americana estar naquele espaço, é bom lembrar que os administradores dos grandes shoppings, além de atraírem compradores endinheirados, buscam garantir um fluxo mínimo de consumidores pelo local. Esse é o motivo, por exemplo, de centros comerciais refinados contarem com empreendimentos mais, digamos, pedestres, como lanchonetes, quiosques de sorvetes, livrarias e farmácias. O próprio Village Mall recentemente ganhou notoriedade com a inauguração da primeira Apple Store da América Latina, que entupiu os corredores com uma legião de nerds, aficionados de computadores e curiosos. "A abertura de uma unidade da Forever 21 foi uma decisão planejada e sempre fez parte da nossa estratégia. Achávamos que uma loja de fast-fashion nesse perfil enriqueceria o mix", defende Gabriel Palumbo, superintendente do shopping. Só para esclarecer: fast-fashion é o jeito bacana de dizer marca barateira que vende roupas que duram pouco.
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